Fui assistir no domingo, dia 8 de Julho, debaixo do calor de uma das tardes mais quentes do ano, ao debate promovido pelo Bloco de Esquerda sobre a projectada mina de ouro da Boa Fé, nos arredores de Évora.
O painel de convidados prometia. Para além da candidata do BE à Câmara de Évora e de uma deputada do partido (que fizeram intervenções meramente de circunstância) usaram da palavra José Rodrigues dos Santos que, apesar de ser antropólogo, tem dedicado desde há anos uma particular atenção a este assunto; António Chambel, professor universitário, especialista em sistemas hídricos; Carlos Cruz, ambientalista, sobejamente conhecido na região e Ana Cardoso Pires que reside na Boa Fé e tem sido também uma das pessoas que mais tem feito para alertar a opinião pública para este projecto. (Aliás, Ana Cardoso Pires disse ter aceite fazer parte da lista do BE à Câmara de Évora, "o que não estava nos meus planos de vida", para tentar dar mais visibilidade à constestação ao projecto mineiro).
Foram mais de duas horas (também com intervenções do público), com um calor intenso, que "prenderam" os cerca de 40 participantes ao debate.
José Rodrigues dos Santos, embora não sendo um especialista, foi eloquente. Começou por dizer que estava neste debate como estaria em qualquer outro sobre esta matéria para que fosse convidado e, citando documentos oficiais da empresa, destacou a "bomba ambiental" em que se tornará a zona da Boa Fé se este projecto for para a frente. Rodrigues dos Santos falou dos lixos tóxicos que se vão acumular; da falta de garantias da estanquicidade da albufeira de rejeitados; do facto deste tipo de empresas mineiras criarem empresas locais, com 5 mil euros de capital social, que efectuam a extração mineira e depois desaparecem sem se preocuparem com o fecho da mina; da pouca relevância económica da extração de ouro para Portugal quando avaliados os riscos ambientais e humanos, que irão perdurar por muitas gerações, etc..
António Chambel, por seu turno, baseado também na experiência das minas de Neves-Corvo que conhece bem, mas que é um projecto bem mais sólido, falou do sistema hídrico da Boa Fé que pode ser afectado se não forem tomadas todas as medidas indispensáveis e disse não acreditar que a mina de ouro vá para a frente dada a descida da cotação do ouro. Este professor universitário considera que a viabilidade da extração de ouro na Boa Fé está no limite e que se prevê uma baixa das cotações. Salienta, no entanto que é possível que a mina possa abrir e em vez de durar cinco anos com laboração contínua seja explorada de forma intermitente e dure muitos mais anos, sendo o minério extraído apenas quando as cotações o justifiquem, o que agravaria os perigos ambientais e humanos.
Carlos Cruz, que já teve contactos directos com os responsáveis da empresa mineira, disse que todo o projecto lhe levanta muitas dúvidas e que, apesar das garantias da empresa, ele será muito lesivo para todo o eco-sistema de uma área especial, alvo de uma protecção europeia, uma vez que está integrada na Rede Natura. Carlos Cruz lembrou, no entanto, que estando em cima da mesa a possibilidade da criação de alguns postos de trabalho, numa região deprimida em termos de emprego, é necessário contrapôr ao projecto mineiro uma solução económica alternativa, de forma a ganhar o apoio das populações.
Essa foi também uma das preocupações manifestadas por Ana Cardoso Pires. Residente na Boa Fé, a tradutora disse que nos primeiros meses de prospecção houve algumas contratações locais, embora muito mal pagas, mas que esses trabalhadores estão agora a ser dispensados. Ana Cardoso Pires considerou que o projecto mineiro assenta numa base "predadora", uma vez que grande parte da serra será destruída (o ouro encontra-se disseminado na rocha, que será escavada e triturada para dela se extrair o pó de ouro, o que será feito em Aljustrel), os sistemas hídricos afectados e a paisagem completamente devastada, com todos os problemas que isso irá trazer no futuro, seja em termos de saúde pública ou mesmo de desertificação ainda mais acentuada de toda aquela zona.
Foram questões importantes que ficaram no ar, sobre um assunto que, mesmo em campanha eleitoral, os chamados "partidos grandes", a nível local, não querem trazer para o debate público. É pena. Valeu esta iniciativa do Bloco de Esquerda ao juntar vários especialistas na matéria (alguns deles conhecidos publicamente por não partilharem as mesmas ideias do que o BE), mostrando que há pessoas interessadas e motivadas para integrarem movimentos e espaços que consigam criar alternativas à exploração do ouro da Boa Fé, que já é conhecido há décadas, mas cuja extracção significará o delapidar de um património ambiental, paisagístico e humano raro em Portugal e no Alentejo, comportando riscos para a saúde e para o ambiente ainda hoje impossíveis de avaliar. E tudo isto para garantir uma exploração (e a criação de algumas dezenas de postos de trabalho) por apenas cinco anos - que será a vida útil da mina.