Com a tomada de posse dos deputados para a 13ª Legislatura na Assembleia da República e consequente estreia de um deputado que sozinho representará um novo Partido, o PAN, começaram logo a surgir nas redes sociais os ataques que (habitue-se senhor deputado!) fazem parte da vida de quem a passa, até por querer, a ter pública.
Nada de estranho, a não ser ouvir de quem se diz democrata argumentos de ataque que se lançam neste ou naquele comentário que, imediatamente, faz com que essa dita atitude democrata, afinal máscara, caia. As opiniões, todas livres de existirem bem entendido, deixam de pertencer a um determinado sistema de argumentação quando lhes ignoram a regra. Passam a ser outras coisas, como insultos ou desabafos, graçolas ou queixinhas, de preferência a dizerem-se em privado, de modo a evitar que todas as restantes afirmações sejam entendidas também não como opiniões a considerar com seriedade, mas fugazes momentos de alguma, até desculpável, humana e saudável loucura, associada a maior parte das vezes ao humor.
Bem, mas para o que eu queria chamar mesmo a vossa atenção era para este novo Partido, tão focado numa causa com a qual não tenho grandes afinidades – a do lugar primordial dos animais na sociedade contemporânea – embora goste muito dos bichos, seja incapaz de maltratar algum e entenda que para muitas pessoas eles sejam absolutamente fundamentais para que possam viver melhor as suas vidas. Também não gosto particularmente do espetáculo tauromáquico, nem em termos estéticos, mas admiro uma boa pega, como aliás há uns anos atrás já o disse numa crónica. Por muito que lide com a minha gata como um dos de cá de casa, e em caso de catástrofe a salvaria primeiro do que qualquer outro bem, bicho é bicho, gente é gente.
Interessa-me muito seguir o que fará este deputado naquele “circo de feras” em que se consegue transformar a Casa da Democracia, não nos momentos saudáveis de discussão mais ou menos inflamada, mas sobretudo em movimentações mais reservadas. Até porque parece-me ser um Partido completamente arredado das classificações de lateralidades à esquerda, à direita ou ao centro, num baile que já vai sendo, às vezes, mais de piruetas de fim de festa do que de coreografia com princípio, meio e fim. O deputado André Silva (curiosa combinação de nomes já que, etimologicamente, André deriva de “homem” e Silva de “floresta”) vai, talvez, dar que falar, ou não fosse ele representar os votos de aqueles que clara e inequivocamente se declararam Verdes, passando a constituir uma ameaça aos que desde há, mais ou menos décadas, reclamam para si o monopólio dessas causas. Pelos vistos não o fizeram bem ou os que não se sentiram representados não teriam eleito André Silva.
E foi a pensar nestas naturezas dos partidos, das pessoas e dos animais que dei com este breve texto de Vergílio Ferreira que partilho convosco:
Não se constrói o mundo só com a parte minúscula do homem, que é com que os pregadores do futuro julgam poder construí-lo. Há a outra parte, a interesseira, a comilona, e é essa parte que vós acenais para a ilusão. A parte grossa, a parte animal em disputa, a que dá facadas por causa de uma sardinha, a que dá tiros por causa de um olhar em desafio, a que dá pontapés numa pedra só porque tropeçou nela, ainda que fique ele pontapeado, a que rosna por causa de um osso, a que de todos os horizontes possíveis só distingue o da gamela, a pesada e grossa, a gordurosa. Em nove décimos do homem o que pesa é o animal.
Até para a semana.
Cláudia Sousa Pereira (crónica na Rádio Diana)