Joaquim Palminha Silva |
VI
Como os romanos com Viriato, a técnica de corromper os seguidores do bandoleiro, capazes de trair pelas “moedas de Judas”, foi posta em acção com persistência. José do Telhado sabia que tinha a cabeça a prémio e o papel de «repartidor público», excessivamente perigoso pela frontalidade e desafio ao Poder político e económico, não poderia durar muito…
Pensou numa retirada estratégica, embarcando de novo para o Brasil. A mesma embarcação que o havia conduzido ao Brasil da primeira vez, o veleiro «Oliveira», encontrava-se ancorada no Porto… Porém, foi traído e seguido o seu percurso pela tropa, que o prendeu no porão do navio, enrodilhado. Conduziram-no à cadeia da Relação do Porto, algemado de pés e mãos, entre trinta baionetas. Cansado, manietado e desarmado, ainda metia medo à bisonha soldadesca do Poder.
Porém, quis a História, que a realidade social escreve ao acaso, que José do Telhado“devia” continuar a fornecer novos elementos para alimentar a sua personagem mítica, quer o aceitasse ou não. Desta vez, era o “destino” que, emboscado, lhe preparava lances romanescos inesperados. Na prisão fazia o que podia para aliviar os presos mais desesperados: - Gastou os 600 mil réis que tinha consigo a aliviar o sofrimento dos degredados que iam para África.
O dinheiro, é claro, acabou rápido. A mulher e os filhos arrastavam-se indigentes, sem socorro. Por fim, nem tinha dinheiro para as custas do processo e os honorários do advogado. O Dr. Marcelino de Matos defendeu José do Telhado gratuitamente.
Mas o “destino” prepara-lhe uma surpresa especial, talhada à sua medida: - O escritor Camilo Castelo Branco que estava então também detido por aquilo que à época era considerado “crime”, isto é, o “adultério”, escutou a história do bandoleiro pelas suas próprias palavras.
Prisão da Relação do Porto.
Como seria de prever, José do Telhado afeiçoou-se ao escritor. Através do seu relacionamento e prestígio entre os presos, veio a saber que um recluso, denominado Cruz, fora contratado para assassinar o romancista na prisão, a soldo do ex-marido ofendido. Com o olhar aceso de ira contra o atrevimento, garantiu ao escritor: «-Se lhe tocarem, não chegam três dias e três noites para enterrar os mortos!». Fosse como fosse, o facto é que ninguém “tocou” no escritor…
Quem sabe se a História da Cultura portuguesa não deve a vida do autor de «Amor de Perdição» ao José do Telhado?
Camilo Castelo Branco fez justiça ao bandoleiro, ao sintetizar a sua vida na obra Memórias do Cárcere, que é livro do mais patético e humano que já se escreveu sobre prisões e “delinquentes” em Portugal. Cada um a seu modo (Camilo e José do Telhado) foi vítima das convenções morais do seu tempo, e de uma “classe” de gente que se alçava na política e nos negócios, a troco de trapaças e corrupções.