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Viva o José do Telhado! (V)

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Joaquim Palminha Silva










V


            José do Telhado transformou-se em “acção de retaliação” dos humilhados e ofendidos. De bacamarte em punho chamava sobre si, com força de atracção dramática, as vibrações da silenciada desforra popular contra o Poder e o Capital e, por isso, foi o “anjo vingador” do religioso comunitarismo tradicional dos camponeses das serras do Norte, entretanto desprezados pelo liberalismo urbano, estrangeirado e maçónico, que se ia instalando no País manu militari. Nesta ordem de ideias, José do Telhado foi o exemplo “lusitano” do bandoleiro social que, por um desses acasos sem explicação histórica “racional”, terminam por ser compreendidos apenas através das milenárias raízes da Cultura: - José do Telhado“nasceu”, portanto, na mesma região onde outrora intrépidos pastores montanheses, comandados por Viriato, resistiram com desesperada valentia às Legiões de Roma, representantes do urbanismo imperial!
            O Poder político tinha, por conseguinte, de empregar com rapidez e eficácia meios militares para aniquilar um “vingador” popularizado, que ameaçava a instalação definitiva das novas formas de exploração da cidade sobre os campos!
            Andavam as tropas em seu encalço e ele, apesar de assolado por todos os lados, destroçava-os como um guerrilha experimentado, audaz, conhecedor do terreno e beneficiando da conivência das povoações, cuja consciência “íntima” lhe deveria dizer quanto era imoral denunciar o esconderijo do seu “vingador”.
Um assalto de José do Telhado a ricos proprietários, cena do filme realizado em 1945.

            Uma vez, tendo sido ferido por uma bala da tropa, ao recolher-se a um local que só os seus homens conheciam, compreendeu que fora traído por um deles. Caíram as suas suspeitas sobre um denominado João Pequeno, assim chamado por antífrase, pois era um hercúleo fanfarrão com instintos sanguinários à flor da pele. Receando José do Telhado, o delator abandonou o grupo e fugiu para sua casa na Lixa… Uma noite bateram-lhe à porta, abriu e reconheceu José do Telhado, que firme mas sereno lhe disse: «-Venho arrancar-te a língua!». O outro retorquiu, confiante na sua robustez: «Vamos a isso!». A luta foi terrível, garantem os vários biógrafos, travada numa noite escura… No dia seguinte o João Pequeno apareceu de língua cortada, atravancado na porta do casebre, onde se juntou a gente do lugar pasmada com o espectáculo. Súbito ouviu-se uma galopada, e numa nuvem de pó o bandoleiro gritou para os rurais embasbacados: «-É assim que se calam os traidores!» … E José do Telhado partiu a toda brida, o varapau sob a perna, o bacamarte colado no arção…
            Sabendo que tinha a cabeça a prémio, astuto e prevenido, José do Telhado decidiu fazer do castigo a João Pequeno um exemplo público e um aviso…

Estampa popular da 2ª metade do século XIX.

                                                                                                                           (continua)

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