Quantcast
Channel: A Cinco Tons
Viewing all articles
Browse latest Browse all 2337

Viva o José do Telhado!

$
0
0
Joaquim Palminha Silva






(Durante as próximas semanas iremos publicar diversos textos de Joaquim Palminha Silva  sobre Zé do Telhado, que a história e a lenda consagraram como aquele que "roubava aos ricos para dar aos pobres". Este é o primeiro desses textos que, no final, constituirão um pequeno opúsculo)



 I


«O Zé do Telhado morava, ali perto:
A triste Viúva
A nossa casa ia pedir, era certo,
Em noites de chuva…».

- António Nobre, in .

            Regista a História que a sociedade o viu nascer um “Zé-Ninguém”, aproveitou-o como José Teixeira (durante a guerra civil) e, paulatinamente, empurrou-o para a marginalidade, donde ele se veio a “libertar” como José do Telhado!
            José Teixeira da Silva, nasceu em 1816 na Freguesia de Castelões de Recezinhos, a cerca de 12 km de Penafiel, sede do Concelho. Estou em crer que “Zé-Ninguém” não seria, pois a alcunha que veio a tomar, José do Telhado, atesta que a situação económica dos seus progenitores se diferenciava do comum dos pequenos proprietários e jornaleiros do lugar. Na verdade, a sua casa era coberta com telha, o que a diferenciava das demais cobertas com colmo, demonstrando-se assim uma pequena “soberania” económica que, no dizer dos rurais, deu origem a expressão «a casa do telhado», daí a alcunha José do Telhado.
            Aos 14 anos de idade, José foi morar com um tio em Sobreira, no vizinho Concelho de Lousada, de forma a aprender o então lucrativo ofício de castrador. Até aos 19 anos aí se manteve, acabando por se prender de amores por sua prima, Ana Lentina de Campos. O tio parece que entendeu quanto o sobrinho não era bom partido para a filha. Contrariado no amor, o jovem resolveu «assentar praça» em Lisboa, no Quartel de Cavalaria 2 (Calçada da Ajuda), denominado Lanceiros da Rainha.
Camilo Castelo Branco, que o conheceu e com ele conviveu de perto, diz-nos que José do Telhado era espécie humano filho de uma genealogia de bandoleiros da serra. Seu pai, Joaquim do Telhado, fora salteador de estrada, e um tio de nome Sodiano, praticara mais de um roubo e alguns assassinatos, nas bravas asperezas da Serra do Marão. De acordo com a História (que o mito acrescenta!), José do Telhado era mancebo esbelto, alto, sempre loução no trajar, a jaqueta alamarada de prata, as botas de polimento bem apresilhadas nas pernas musculosas que, com facilidade inaudita, domavam a galgadeira dos cavalos mais bravos. Enfim, dava nas vistas este José do Telhado, pelo garbo e pela valentia de que portador, tudo com um ar tão natural como o ar que se respira.


         Em Julho de 1837 deflagra a Revolta dos Marechais, com o objectivo de restaurar a Carta Constitucional, opondo-se portanto aos partidários da Revolução de Setembro, mais radicais. Os cartistas sofrem vários reveses e retitam as suas forças militares para o norte do País. Porém, desbaratados em Ruivães, procuram o exílio, internando-se em Espanha.
            O regimento de Lanceiros da Rainha tomou partido pelos “marechais”, e José do Telhado teve oportunidade de exibir a sua bravura em combate. Lutando às ordens do general Schwalbach, barão de Setúbal, ordenança deste oficial na difícil retirada que as tropas empreenderam em direcção à Galiza, fizera-se notar no recontro de Chão da Feira, à vista do barão de Setúbal e do marechal Saldanha. Aconteceu que, entretanto, num dos ataques que sofriam os revoltosos em retirada, o general Schwalbach disse-lhe no mais aceso do tiroteio: « - Chovem balas, meu rapaz!», e ele, com galhardia, terá respondido: «- Deixe chover, meu general!… Cá vou abrir o guarda-chuva!», retorquiu José do Telhado, alteando a lança e empinando o cavalo. Lançando-se à carga destemido, sorrido à morte, acabou assustando os atiradores furtivos…
            Seguiu emigrado para Espanha e, à volta, casou com a prima, que lhe levou em dote umas jeiras de terra e umas moedas de ouro. Aconteceu isto após a Convenção de Chaves, a 20 de Setembro de 1837, que pôs oficialmente fim à guerra civil.

José do Telhado(segundo desenho da época)

            Construiu o seu lar em Castelões de Recezinhos, e criou fama de justiceiro, pronto a defender os fracos e desamparados. Ia às Feiras e Romarias dos lugares vizinhos escanchado em bons e vistosos cavalos. Às vezes sentia-se obrigado a desmontar, quando as conversas e atitudes dos fanfarrões azedavam, varria então a Feira à paulada, exímio batalhador no jogo do pau!


(continua)

Viewing all articles
Browse latest Browse all 2337