Joaquim Palminha Silva |
«Da nossa casa o Alentejo é verde.
É atirar os olhos: são searas,
são olivais, são hortas… E pensaras
que haviam nossos olhos de ter sede!
E o pão da nossa mesa! E o pucarinho
que nos dá de beber!... E os mil desenhos
da nossa loiça: flores, peixes castanhos,
dois pássaros cantando sobre um ninho…»
- Sebastião da Gama, in Pelo Sonho é que Vamos, 1953.
O pão para ser bom deve ser medrado ou crescido em volume, fofo e esponjoso no miolo, enxuto, leve, bem cozido sem muita côdea, branco, de sabor macio e aromático, de massa ligada e homogénea… - Assim se definia o bom pão há um século atrás!…
Entretanto, como nada garante que esta definição esteja ultrapassada, continuamos a descrição… Sobretudo tendo em vista o que se fabrica hoje por aí, com massas congeladas durante semanas, sem critério de cozedura (mini-forno eléctrico). Vendido em estabelecimentos que, nem vagamente, são imitações das tradicionais padarias… Enfim…
Segundo a qualidade das farinhas o pão podia então ser mais ou menos homogéneo. Distinguia-se geralmente o pão em três principais espécies: pão fino, pão de família e pão de munição.
No pão fino não entrava senão a flor da farinha e alguma porção de farinha de 1ª qualidade, ao todo cerca de 30% a 35% do peso do trigo farinado. No pão de família entrava a flor da farinha de 1ª e a farinha de 2ª qualidade, ao todo 70% do peso do trigo. No pão de munição entrava a flor, a farinha de 1ª e 2ª qualidade e os rolões, no total de 80% a 82% do peso do trigo.
Regra geral, quanto mais finoera o pão menor era também a espessura da côdea. No pão dito finoa quantidade de côdea era geralmente de 15% a 25%. No pão de família aumentava para 35% da côdea, e no pão de munição chegava a 42% ou 45.
O pão com grossa côdea, secava e endurecia mais depressa e era menos lisonjeiro à vista e ao paladar, mas já então era o mais higiénico e nutritivo, porque a côdea não só continha mais substancia solúvel, mas era também o mais azotado.
Finalmente, eis uma instrução geral com mais de um século de idade: - As farinhas de trigos rijos, porque são os mais ricos em glúten (mistura de proteínas existente nas sementes dos cereais, especialmente o trigo), porque este absorve a maior parte da água da amassadura, tornando o pão mais carregado de água. Este excesso de água fica no pão, não só pela avidez do glúten, mas pelo maior trabalho de sova que tais massas exigem, e ainda porque ao calor do forno tem mais dificuldade em evaporar a água das massas glutinosas. A grande quantidade de côdea, significa na maioria dos casos que o pão foi bem cozido e que é enxuto.
Em síntese, o pão dividia-se em “classes” como a sociedade humana e, como é de calcular, o pão de munição era o mais adquirido pelo mundo do trabalho… Dele se faziam as soberbas açordas de cada dia, que o azeite aloirava … “Mística” alimentação de pobres trabalhadores rurais, a que as ervas emprestavam um sabor de exotismo… a enganar a fome!
Tenho, pois, saudades do pão alentejano de quando era menino…