É possível fazer uma crónica esta semana que não seja sobre a Grécia? E se todas as crónicas sobre a Grécia fossem sobre nós? Sobre opções que tomamos em função dos nossos interesses mais imediatos? E se a Grécia de hoje fosse uma ilustração de histórias contadas noutros tempos?
Hoje, ao assistir a algumas entrevistas feitas a manifestantes que parecem disponíveis a viver debaixo do jugo do capital transnacional, vieram-me à memória as imagens das manifestações da “classe média” chilena manipulada por interesses que não eram os seus, a bater nos tachos contra o governo de Unidade Popular, liderado por Allende.
Um dos entrevistados (entrevista difundida pela Antena 1) lamentava não poder levantar mais de 60 euros por dia porque assim não podia enviar os dois filhos para Londres onde irão fazer os seus estudos superiores.
Preocupação com os gregos desempregados? Com os pensionistas que irão sofrer mais cortes nas pensões? Com o aumento do IVA sobre os produtos essenciais? Com cortes na saúde e educação? Com o fim da soberania? Nada disso lhe parecia dizer respeito.
Pela tarde um grego, apoiante do não, resumia a sua opção de voto numa palavra: dignidade.
Perante a insistência da jornalista que falava nas provações que o povo grego iria passar, ele respondeu que em três mil anos os gregos passaram por momentos bem piores e souberam superá-los.
Podemos teorizar sobre as opções do governo grego, sobre se deviam ou não ter nacionalizado de imediato a banca, sobre se deviam ou não ter sido mais duros com os credores.
Podemos desenhar um quadro comparativo com todos os detalhes que separam os que querem resistir à voracidade dos mercados daqueles que preferem a segurança de viver de joelhos.
Mas, no fundo, tudo se resume a optar entre as posições e os interesses daqueles dois entrevistados.
O primeiro está-se nas tintas para dignidade do povo grego, desde que consiga levantar a tempo e horas o dinheiro para os filhos irem para Londres. O segundo, sabendo que os sacrifícios serão enormes, está disposto a isso em nome da dignidade do povo grego.
O chico esperto, ao almoço na esplanada, a quilómetros de distância e sujeito às mesmas humilhações, dirá “pois, pois, mas a dignidade não paga a prestação da casa nem a conta do supermercado”, para à noite colocar nas redes sociais uma frase qualquer sobre a preferência de morrer de pé a viver de joelhos.
A minha prima Zulmira, nos seus momentos mais amargos, costuma achar que a “classe média” é o instrumento mais eficaz que o sistema utiliza para não implodir, porque transforma a luta de classes num “video game” onde os “maus” ressuscitam sempre e quando se desliga a consola tudo continua inalterável.
No meio desta acalorada discussão sobre o direito dos povos decidirem sobre os seus destinos, voltei aos tempos da escola primária e recordei, com o senhor professor, que quem de 19 tira 1, fica com 18.
Até para a semana
Eduardo Luciano (crónica na Rádio Diana)