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O Romântico Jardim Público de Évora (*) - I/II

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Joaquim Palminha Silva
(Introdução)

Pelo lugar material e cultural que desempenha no tecido urbano da cidade, o Jardim Público, talvez com mais acerto intitulado na segunda metade do século XIX «Passeio Público», merece um destaque muito especial como património vivo da urbe e, nesse sentido, aqui lhe registamos a breve história e a interpretação que nos inspira.
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A génese do Jardim é complexa. As referências históricas apontam sempre o Jardim como o lugar privilegiado para a meditação religiosa e filosófica. Por conseguinte, desde a mais remeta antiguidade clássica, o Jardim é considerado, depois do Templo, como um dos lugares sagrados da Humanidade. O Rei Salomão no «Cântico dos Cânticos» faz a apologia dos jardins que plantou e de onde se exalavam os perfumes do sândalo e da mirra. Na língua hebraica, a palavra jardim contém a ideia de Éden, isto é, do bíblico «Paraíso Perdido» pelo Homem…


Na Grécia clássica, como refere Xenofonte, o Jardim era um lugar aprazível onde se podia filosofar tranquilamente. Por sua vez, os romanos tinham do Jardim a ideia de local agradável e útil, onde se deveria ligar, de forma harmoniosa, a arquitectura à vegetação natural. Nasceram então as pérgolas, os terraços, os muros de vegetação, as fontes e lagos, pelo que os romanos devem ser responsabilizados pelo nascimento do modelo de jardim que ainda hoje perdutra no ocidente latinizado. No Oriente (China e Japão), o Jardim é obra suprema para servir a velhice no repouso e na meditação que proporciona.
Estes exemplos servem para esclarecer, apesar das diferentes estruturas e formas que o Jardim tomou ao longo do tempo e em diferentes espaços geográficos, que ele assenta num ideal comum: a sua sacralidade e o seu serviço em favor da paz e da meditação.
Em Portugal, desde os séculos X e XII, a Ordem Beneditina, a Ordem de Cister, assim como os monges Agostinhos e os Franciscanos, estabeleceram nos terrenos anexos às suas “casas“ vários tipos de Jardim, às vezes sob a forma de pomares, como foi o caso dos franciscanos de Évora, no seu Convento vizinho do Paço Real.
Com o século (XVII) do barroco, o Jardim português atingiu a sua maioridade, adaptando-se melhor à terra evidenciando uma escala mais humanizada. Há mesmo exemplos de aquisições de carácter intimista. Entretanto, a matriz clássica romana ganha entre nós uma nova dimensão, nomeadamente com a introdução do azulejo, dos canteiros com geometrias, sendo introduzida a plantação de flores e arbusto da época, que se passam a “esculpir” e “desenhar”, de forma a ganharem formas ao gosto do tempo.


Jardim do Palácio de Queluz (pormenor)

O nosso século XIX adopta o Jardim-paisagem(Parque da Pena e Parque de Monserrate), isto é, estamos pois na presença dos Jardins sem tempo, no dizer deslumbrado de Lorde Byron, ao referir-se a Sintra!
As lutas civis e militares pelo estabelecimento da monarquia liberal em toda a Europa, com o seu democratismo romântico e defensor das independências nacionais, após a queda do império napoleónico, tiveram um impacto muito especial nas formas de existência do Jardim. Começou-se então a desenhar em todas as grandes capitais europeias o Jardim-Passeio Público, ganhando a sua existência um espaço nunca imaginado.
Da privacidade e recato das mansões de aristocratas e alta burguesia nascente, acompanhando a “revolução” cultural que se ia alastrando por toda a Europa, e a mudança de mentalidades, no encalço das vitórias do liberalismo democrático, o Jardim surgiu como espaço privilegiado da nova urbanidade.
O Jardim transformou-se, pois, em centro colectivo de animação cultural, social e cívica da cidade democrática, gerido pelo Município para usufruto dos cidadãos. Com espaço próprio (coreto) para concertos de bandas filarmónicas locais, cultivo e venda de flores da época, observatórios com telescópios, espaço de leitura “ao ar livre” (serviço proporcionado pela Biblioteca Pública e/ou Municipal), o Jardim ganhou uma nova personalidade, mas diga-se que, entretanto, não tendo perdido a “sacralidade” da época clássica, adquiriu características colectivas, implicando a instalação de mobiliário urbano nos seus espaços verdes e, através de jardinagem e vigilância atenta, foi paulatinamente instalando nas mentalidades correntes das populações princípios de estima e civismo pela conservação do espaço público.


Coreto do Jardim Público de Évora, segundo projecto de Manoel de oliveira e Silva, inaugurado em 20 de Maio de 1888, com concerto pela «Banda da Real Casa Pia de Évora».

Na nova fisionomia do Jardim democrático, abundam as cascatas, os rochedos fingidos, os lagos com cisnes, as cenografias românticas, teatrais, inspiradas no teatro ou nas “lendas e narrativas”, as ravinas, árvores simbólicas (oliveira/árvore da paz), engalanados miradouros sobre os campos vizinhos ou sobre a cidade, plantas exóticas, recantos discretos para os apaixonados, bem como instalação de mobiliário mais resistente ao tempo.

Ruinas fingidas do Jardim Público de Évora

Enfim, este derradeiro modelo de Jardim, parte integrante da nova ideia de cidade. Nascido nos meados do século XIX, conserva um romântico exemplar em Évora: - O Jardim Público, aberto a toda a população num verdejante abraço fraternal, democrático, a partir de 1863!


Entrada principal do «Passeio Público» de Évora nos finais do século XIX ou início do século XX (de uma carta-postal).

(continua)

*Este trabalho foi publicado na sua 1ª versão na «Monografia da Freguesia da Sé e S. Pedro». O texto agora presente apresenta algumas alterações.

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