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O Santo António da "Praça de Giraldo"

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Joaquim Palminha Silva
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Era uma vez o reinado de D. João V, dito «o magnânimo», há muito descrito pela História, Literatura, Teatro e Música… Época dos diamantes do Brasil, das embaixadas portuguesas enviadas ao estrangeiro com seus séquitos faustosos, das mãos cheias de moedas de ouro e prata, dos coches preciosamente rendilhados e talha dourada, do estilo roçagante, moroso e campanudo da Corte.
            Fora desta atmosfera grandiloquente, de que se haviam de lembrar os eborenses? – Um grupo de fiéis do culto antoniano resolveu erguer um oratório permanente, porque fosse preciso cumprir algum voto ou porque fosse necessário que todos lobrigassem Santo António, no meio do reboliço quotidiano, agitado pelo ritmo das notícias que, sobre cavalgaduras de estrada, chegavam da Corte e de Lisboa…
            Estabelecida a premissa, é compreensível que tenham escolhido para o efeito um roço de cunhal correspondente a recanto de Arcada da Praça Grande, que era então bem mais ajuizadamente o nome da “Praça de Giraldo”, se admitirmos que desejavam contrariar a reinante labareda de luxúria e gula com uma figura de frescura angélica e sociabilidade cristã, plena de meiguice e compreensão para com o pecado humano…
            E, assim, num dia determinado do século de setecentos, com pedra sobrada do altar-mor da catedral (diz uma tradição já esquecida), apareceu na Praça Grande um Santo António de “redoma de vidro”, tal como ainda hoje vive na imaginação popular, resguardado em oratório que o erudito Túlio Espanca descreve desta forma (in Inventário Artístico de Portugal, Conselho de Évora, I vol., 1966): «[…]sobre paramento de mármores coloridos, de placas almofadadas, no estilo barroco, com caixa para esmolas, cujo fundo se encontra forrado por azulejos sevilhanos de corda seca, aqui colocados recentemente e provenientes da casa quinhentista dos Condes de Portalegre». Neste oratório, chamado nicho pelo historiógrafo de Évora, de arco redondo e pilastras esculpidas com seu frontão de enrolamento, envieirado, símbolo de gloriosa humildade, mostrava-se aos passantes uma coeva imagem de Santo António de madeira estufada e dourada, como a dizer-lhes que nunca estará excluída do mundo a ideia de vida espiritual, esse oxigénio vivificador da alma humana…
            No decurso dos séculos festejado a 13 de Junho, de norte a sul de Portugal, aos acontecimentos ou fenómenos explicáveis sob a evocação do santo, sucederam-se os exageros e, diga-se, apesar de tudo Santo António tem resistido invulnerável aos prodigiosos lances da ignorância e das escórias supersticiosas. Facto inaudito na hagiografia lusitana, foi a incorporação de Santo António no Exército (em imagem, bem entendido) durante a guerra da Restauração, assentando praça num Regimento de Lagos como soldado raso e, parece, chegando a capitão! Muitos anos depois, no rescaldo das invasões napoleónicas, D. João VI promoveu-o a tenente-coronel de Infantaria! – Convenhamos, tanta parvoíce junta “passa das marcas”!
            Patrono de barristas e louceiros, sendo representado ordinariamente com um livro na mão sobre o qual está senado o Menino Jesus, invocam-no geralmente para encontrar objectos perdidos (também pessoas, muita vez) e enquanto advogado de “bons casamentos”, nesta área a tradição atribui-lhe numerosos feitos e, faz tempo, que as moças casadoiras e, portanto, namoradeiras, o invocavam com sucesso, dizem-no  amiúde…

            Santo António torou-se assim, ao longo dos séculos, o santo português mais importunado para grandes pedidos, aflições enumeráveis, bem como para insignificâncias e problemas de lana-caprina…




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              Desde o reinado de D. João V que este nosso Stº. António da Praça Grande (Praça de Giraldo), cujo oratório ficou sob o zelo e protecção da Paróquia de Stº. Antão, foi observador curioso de acontecimentos e assistiu a algumas maravilhas, sobretudo no que se referia a coisas perdidas. Durante séculos, o habitáculo do simpático santo serviu para aí colocarem as chaves de casa perdidas por uns moradores e encontradas por outros, pelo que se pode dizer que esta fraterna tradição contribuiu para popularizar formas de ente-ajuda entre os eborenses. Entretanto, os que reaviam as chaves, atribuindo o achado a «graça» de Stº. António, deixavam no recipiente do nicho a respectiva esmola. Parece que também, junto ao nicho do santo, se costumavam marcar encontros e aí reunir os produtores de vinho das vizinhanças da cidade. Cujos negócios, assim, protegidos pela áurea do santo, tinham desfechos agradáveis para ambas partes e, em agradecimento, estes produtores deixavam também a sua esmola de ocasião, às vezes azeite para a lamparina que iluminava St.º António.
            Em 1863, devido a obras de suposto “embelezamento” urbano da Praça Grande, alguns membros do executivo municipal entenderam que o nicho deveria ser entaipado, pois assim o exigia o “progresso”… E a pequena imagem de Stº. António, sabe Deus com que desgostode a retirarem ao convívio da rua e suas gentes, foi levada para a igreja de Stº. Antão, e aí exposta ao culto dos seus fiéis. - Mas não era a mesma coisa…
            Depois de tempo, tempo veio e, em 1949, novas obras foram realizadas na Praça de Giraldo. A imagem voltou então ao seu nicho de origem. A assinalar o acontecimento celebrou-se missa própria na igreja da Paróquia e houve singela festa popular, muito sentida para quem romanticamente a viveu.
            Entretanto passaram algumas décadas… Numa distante manhã de 1990, a cidade surpreendeu-se a dar por falta da imagem de Stº. António no seu secular oratório da Arcada da Praça de Giraldo… É ocioso escrever que não se conseguiu apurar que tipo de roubo sobre a imagem do santo terá sido esse… O facto é que, neste caso, a devoção religiosa e a saúde do património acabaram por ser salvas por devota do culto antoniano, pois uma Senhora, proprietária de loja de antiguidades na Rua Miguel Bombarda dirigiu-se ao erudito Túlio Espanca e, no mesmo ano de 1990, entregou aos cuidados deste (que sabia como a História também é feita de simples e pacíficas tradições populares!) uma imagem de Stº. António em terracota (datada do século XVIII), oferta graciosa à Câmara Municipal de Évora, de forma a ser colocada no mesmo local, donde havia desaparecido a imagem original talhada em madeira dourada, da época de D. João V.
            Passou tempo, evidenciando-se que os eborenses (e as suas credenciadas instituições) já então manifestavam alguma indiferença (de origem profana e religiosa) pelo património, pois não deram um passo a saber notícias do seu Stº. António… que tanta chave “ajudou” a encontrar!
            Na manhã de 27 de Outubro de 1995, o matutino lisboeta «Correio da Manhã» noticiava a detenção de suspeitos de roubos diversos e, para surpresa dos paroquianos de Stº Antão, no meio da fotografia do jornal, entre relógios, armas, electro-domésticos e bugigangas várias, uma graciosa imagem de Stº. António parecia olhá-los nos olhos, com ar magoado. Numa prosa apressada, o redactor informava os leitores: «Na posse dos detidos foi ainda encontrada uma imagem de arte sacra, representando Santo António, que havia sido furtada há cerca de quatro anos de um altar na Praça do Giraldo[…]». Era o nosso Stº. António que, finalmente, se deixava ver, ao mesmo tempo que, de ar magoado, parecia dizer-nos: «Nunca mais quisestes saber de mim! Seus ingratos!».
            Em 2003, com o nicho antoniano votado ao esquecimento, a Câmara Municipal de Évora resolveu esburacar as arcadas e, por acréscimo, danificar o nicho do santo, lascando-lhe aqui e ali a pedra, com o objectivo de electrificar as Arcadas… - Obra que resultou num gritante e oneroso fiasco municipal, como todos podem testemunhar!
            Entretanto, a imagem em terracota desapareceu mais uma vez do seu nicho…. O autor destas linhas indagou junto do Vereador da área (à época, um Sr. Arquitecto militante do Partido Socialista) que, depois de porfiados esforços, conseguiu localizá-la junto dos serviços respectivos e ordenar que fosse reposta no seu lugar. Lá está a imagem de Stº. António em terracota, mas apareceu com uma mão decepada…e lá continua, “triste e abandonada”, observando a indiferença dos eborenses que por si passam…
            Quanto à imagem em madeira estofada do reinado de D. João V, em vão o autor destas linhas diligenciou para que fosse recuperada, sob os auspícios da hierarquia da Arquidiocese de Évora ou pela Municipalidade… Talvez ainda exista num depósito da Polícia Judiciária, em Lisboa, à espera que os eborenses a reclamem, reconhecendo por fim que é parte integrante da memória histórica da cidade!
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Bibliografia (para saber mais):
- Aquilino Ribeiro, Humildade Gloriosa, 1954.
- Manuel Carvalho Moniz, A Praça do Giraldo, 1984.
- Joaquim Palminha Silva, dois artigos in semanário A Defesa, «O Santo António da Praça de Giraldo», respectivamente, 1/6/2005 e 8/5/2005.

            

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