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Horizonte

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Joaquim Palminha Silva
   O País é pequeno, as ambições dos seus “donos” desmesuradas, e o povo fez-se uma turbamulta matreira e dispendiosa, naturalmente para se salvaguardar dos habilidosos que mandam. Na prática, já não se sabe onde acaba a roupa lavada e começa a roupa suja!
 Verifiquei este fenómeno social, mas não me peçam explicações… Não pretendo dispor de conhecimentos detalhados para satisfazer a curiosidade de algum impertinente. Coleciono factos e classifico-os, pois é este o primeiro estádio da ciência sociológica… Entretanto, seguem-se as teorias e só depois, se estas forem confirmadas pela experiência, as explicações… Assim, apenas reúno facos e, por vezes, relaciono-os e tiro deles simples generalizações plausíveis… Continuando…
            Entre nós e o futuro erguem-se cristalizações de privilégios tribais poderosos. Entre a maioria esmagadora dos patuleiase o futuro perfilam-se, na acção administrativa do Poder, os partidos políticos. Ente nós e o futuro estão inúmeros calendários, com datas sempre inoportunas para as nossas urgências, tal como portas que se seguem a portas…
            Por tudo isto, obrigam-nos a ter apenas estreitos objectivos: – Nunca poderemos ter largos e vastos horizontes!
            Portugal é, pois, uma nação sem horizonte (no sentido de representação mental de todo um povo), sem projecto societário, sem qualquer forma especifica de mentalidade colectiva, de utopia capaz de tentar impor a ordem do deve serà manutenção da ordem do é o que temos!
            Estabelecido ao “Deus dará”, o País subsiste erguendo o dia-a-dia como ideário absoluto e, assim, sobrevive doentiamente à sua própria podridão, alimentando-se das pústulas da lepra que o vai corroendo.
            Na verdade, desfizeram-se os laços que atavam esta terra minúscula à fé das origens, às aspirações ora singelas ora brutalmente engrandecidas do passado… Santuários e túmulos, muralhas e palácios, objectos e medalhas, livros e poemas, erguidos sobre escassa base de passado, que a penúria de memória abandonou, trazem à luz da actualidade a ferrugem e o bafio que preludia o desmembramento fatal… - Afinal, de que serve tudo este arrazoado, pois só temos objectivos, medíocres, besuntas, como uma antiga conta de mercearia, escarafunchada em folha de papel pardo!
            Ter objectivos é procurar preencher o vazio com expedientes de ocasião, afogando o nada em intrigas limítrofes, disfarçando a futilidade no efémero luxuoso a baixo custo (de preferência com o dinheiro do Estado), fazendo do ressentimento um programa de acção política e social: - Ressentimento contra o partido A ou B; ressentimento contra os prestamistas estrangeiros; ressentimento contra o povo; ressentimento do povo contra os que “mandam”; ressentimento contra a chuva e contra o calor “exagerado” do Estio; ressentimento de todos contra todos!
            Nesta ordem de deias, somos um povo (patrões e empregados, burgueses e proletários, pobres e ricos) com colecções preciosas de ditos, de frases-feitas, de palavras-de-ordem, de máximas e epigramas supostamente capazes de explicar tudo sem contentarem ninguém. Por fim, temos diariamente o “banho-maria” da Cultura, como xarope para a tosse… - Mas não temos horizonte!
            A História das últimas quatro décadas é a narrativa pelintra, sabuja e passa-culpas do regime democrático de vulgata, repetitivo, mentalmente deficiente, enfadonho, com medo da sua própria sombra… - Os seus objectivos são banais, ora de calendário ora de teimosia e boçalidade… Não queremos nada que se prepare para ultrapassar a capacidade do nosso estômago nem a circular estreiteza do nosso umbigo. – Somos pequeninos em tudo. A nossa felicidade é apertadinha, tal e qual uma lata de sardinhas em conserva!
            Não temos horizonte. – Temos metas! Procuramos cumprir etapas, saldar minuciosas dívidas ao estrangeiro, contraídas pelo nosso jogo democrático. Encolhemos…
Uma vez caída a ditadura, ficamos desempregados de ideal, tal como os partidos que nos “saíram na rifa” ficaram a chocalhar por dentro, despojados de ideologia…
            Pobres pensionistas do passado, vivemos da caridade estrangeira e da venda de bilhetes-postais ilustrados com «as armas e os barões assinalados», e desta forma subsistimos à conta de termos sido!
            Somos o realejo mecânico das ruas da Europa do Norte: - Uma moeda na ranhura, e a manivela roda, roda! Mexem-se então as figurinhas ocas do realejo, ao som duma música de fado!
            Aguentamos tudo! A pouca vergonha e as humilhações!
Cospem-nos no prato da sopa que nos dão, e sofremos isso com um sorriso estúpido! – Porque não temos a consciência limpa? Porque sabemos que vamos morrer? – Sobretudo, porque entre nós e o futuro erguem-se os imperativos dos penhoristas, os planos dos armazenistas, os contratos dos negreiros e dos corsários!
Sabemos tudo o que explica a nossa fala de horizonte, como sabemos quanto nada o justifica ou desculpa. – A paralisia mental toldou-nos o pensamento. Não sabemos quem nem quando nos injectaram no sangue a linfa do seguidismo, a droga envenenada do sossego, o tóxico gás da apatia…
Por tudo isto, caminhar em direcção ao horizonte assusta-nos mais que o terramoto de 1755… - Evitamo-lo, desviamo-lo para o esquecimento, para o rol das anomalias perniciosas à Europa!
            Só uma terra livre da “nação”, que subsiste a chupar o sangue ao nosso presente para nos debilitar o caminho do futuro, nos poderá descartar desta gaiola, destes objectivos mutilantes, e abrir-nos o horizonte.
O horizonte não nos envelhece, porque sobre ele não se acumula aquele peso de loucura colectiva onde germina a apatia que, com o tempo, acaba por provocar a ruína dos povos e a decadência das nações.   

Precisamos de horizonte, como o céu precisa do arco-íris após a tempestade!

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