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“Palácio de D. Manuel” ou Galeria das Damas do Paço Real?

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Joaquim Palminha da Silva
            Em Lisboa, instituições de Estado, municipais e culturais diversas, comemoram (com restauros!) os 500 anos da construção do Mosteiro dos Jerónimos. Em Évora, o seu Município e serviços culturais comemoram os 500 anos de construção do “Palácio de D. Manuel”! – Mimetismo? Não senhor! Coincidência… Pura coincidência… coincidente!
            Mas vamos ao que interessa…
            1º)Não conhecemos nenhum “Palácio de D. Manuel” em Évora, mas sim um «… pavilhão meridional, a conhecida Galeria das Damas, que desde épocas antigas a coroa entregara ao Conselho de Guerra» (in Túlio Espanca, Inventário Artístico de Portugal, 1966).
            2º)A primeira referência conhecida da existência dos Paços de São Francisco, aparece na Crónica de D. Afonso IV (1336);
            - Há notícia de D. João I ter mandado edificar duas câmaras (1387) e talvez outros espaços, dando início a uma construção palaciana;
            - O edifício é identificado nos textos coevos como «Paço Real de Évora», beneficiando de várias construções no reinado de Afonso V, cerca de 1481;
            - D. João II mandou construir (1490), anexo à horta, um pavilhão em madeira, ricamente decorado, para aí servir a boda dos príncipes D. Afonso de Portugal e D. Isabel de Castela;
- Há notícia de ampliações no Paço Real, mandadas efectuar por D. João II, datadas de 1493;
- D. Manuel I empreendeu obras de vulto, cuja direcção entregou a dois arquitectos portugueses e um espanhol; estas obras compreendem o período que vai de 1507a 1520 e, segundo Túlio Espanca (obra citada), incluíam o Convento de S. Francisco, a Capela Real e o Paço Real, propriamente dito;
- No reinado de D. João III há notícias de obras de grandes proporções, em duas datas (1524 e 1556);
- Na sequência da entrada de Filipe III de Espanha em Évora, o conjunto de pavilhões e edifícios do Paço Real é entregue aos frades franciscanos (1616);
- Por fim, com a utilização das dependências do Paço Real pelos frades, a sua transformação e/ou destruição, no século XVIII o Paço Real de Évoraé já uma ruina completa. O que resta do Paço, a Galeria das Damas, já muito desfigurada e decepada do conjunto monumental, é entregue em 1834 ao Conselho de Guerra para servir de depósito militar.
3º) Como se pode verificar, não aparece nenhuma data que consiga apontar para a efeméride dos 500 anos, da parte que resta do Paço Real.
                                       
                                                           
Esta imagem, da 1ª metade do século XIX, é a que mais se aproxima da configuração original da Galeria das Damas, chamada pelo vulgo erradamente “Palácio de D. Manuel”. No restauro do edifício fizeram desaparecer (escusadamente em nosso entender!) a graciosa escadaria.

Enfim, não há data que garanta os 500 anos! – Na verdade, apesar de mil imprecisões, estas reanimações municipais, mais turísticas do que culturais, são às vezes tentativas que procuram aqui e acolá o caminho que se deve seguir para sair do marasmo, do estafamento de ideias, dos quilómetros de pasmo, dos esquemas gordos da gastronomia e ervas de cheiro que, em fins-de-semana, se oferecem ao forasteiro… até ”dizer chega!”.
Eu não creio que venha mal ao mundo através desta tentativa municipal de criar uma efeméride e, travestindo-a conforme podem, a esticarem durante grande parte do presente ano (2015)! Não há muito rigor no que se diz? – Os factos históricos mencionados, aconteceram em salões e dependências de um palácio real que já não existe? O edifício “aniversariante”, se me é permitido o termo, pela sua própria especificidade, é tema de estudo e visualização mais interessante para arquitectos, engenheiritos civis, historiadores de arte, etc.. Enfim, envolve problemáticas para gente especializada, que enfadam o grande público…
Repito, não vem grande mal ao mundo pela escolha forçada desta “efeméride”… Porém, creio que ainda não foi desta vez que o Município conseguiu captar a alma do evento sui generis! Não foi ainda desta vez que se deu o achamento da receita milagrosa!
            Todavia, uma evidência nos salta à vista… - Festejar os supostos 500 anos da Galeria das Damas no seio do despojado, mutilado, “mal-amanhado” e infecto Jardim Público é manifestamente bezunta e descaradamente obsceno!
            Tragédia irremediável a nossa, alentejanos e portugueses: - Passamos a vida a procurar acontecimentos históricos, grandiloquentes, eventos culturais que nos enalteçam e se possam exportar além-fronteiras e, ao mesmo tempo, somos incapazes de concertar a calçada que pisamos, de lavar e “assear” o WC, de apanhar o papel do chão, etc. … - Enfim, é como se fossemos “receber a medalha” do património imaterial, espalhando à nossa volta o desagradável cheiro da transpiração que se escapa do sovaco!
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Foram consultadas as seguintes obras: Túlio Espanca, Inventário Artístico de Portugal, Concelho de Évora, Lisboa, 1966; Monumentos, nº17, revista da Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, Lisboa, 2002; Francisco Bilou, A Igreja de S, Francisco e o Paço Real de Évora, Lisboa, 2014.

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