@Joaquim Palminha da Silva |
O que vou escrever não pretende ser uma análise aprofundada.
A crise económica, cultural, política e de mentalidades que se vive em Portugal, neste início do século XXI, deverá um dia ser objecto de estudo documentado e profundo, desde que beneficie de distância histórica suficiente. Vou, pois, analisar, no actual contexto, algo para lá da fronteira do imediatamente visível, naturalmente sob o ângulo da experiência vivida e, é claro, como tantos outros, sofrendo inelutavelmente na própria existência as turbulências do tempo.
A clássica luta de classes (segundo a definição marxista) não desapareceu de todo, mas foi largamente acrescentada e, por conseguinte, acabou ultrapassada com o aparecimento de novas formas de choque de interesses, luta e combate que lhe subalternizam o impacto. Comecemos por dizer isto: - A situação actual é o resultado de uma experiência política e social estudada, depois praticada sistematicamente e, finalmente, concluída com sucesso, através da orquestração de um conjunto de forças financeiras, culturais, políticas e sociais a que, à falta de melhor definição, dou o nome deInterterror mercenário ao serviço do Kapital!
Na realidade, a presente situação ultrapassou o modelo repressivo clássico usado em Democracia pluralista, mas limitativa no âmbito institucional e social, e praticado sobre os diversos escalões da população trabalhadora, da pequena-burguesia, mesmo de quadros técnicos e algumas empresas de tipo familiar.
Desde sempre, o Estado e os governos que o usam (e abusam) retiraram a sua sobrevivência parasitária da colecta de impostos e taxas aos cidadãos, devolvendo depois
ao contribuinte (quando devolvem!) a prestação de alguns serviços públicos (ensino, saúde, etc.), naturalmente na sua versão minimalista.
Súbito, esta lógica tradicional e periódica de cobrança de impostos foi alterada. Embora não existam barricadas nas ruas (algum dia as veremos?), não se assista ao marche-marche da soldadesca mercenária, nem a constantes cargas policiais de bastão em punho, desbobinam-se aqui e agora uma série de operações repressivas, seguindo moldes militares, levadas a efeito por comandos treinados na repressão e, pior que tudo, existe do lado do Poder Político e do Kapitalum espírito de ataque, de emboscada, de colocação de minas e armadilhas para aniquilar os escassos meios de sobrevivência do cidadão desprevenido. Existe, na verdade, sob uma forma não declarada e ainda não identificada pela população sofredora, um autêntica guerra civil!
Entretanto, através do governo que o usa, o Estado criou uma autêntica frente terrorista para executar acções especiais, cirúrgicas, nesta modalidade de guerra civil. Frente terrorista, cuja operacionalidade e eficácia ficou garantida desde o primeiro instante da sua estreia no terreno. Porquê, pergunta-se? – Na verdade, se a alta burguesia nunca se distinguiu por nobreza cavalheiresca na luta de classes, não seria possível que na actualidade isso se viesse a modificar, antes foi acrescentada à sua crueldade e frieza, de forma desapiedada, uma maior dureza na luta, porque este corpo de operacionais do terror foi treinado para servir o Kapital sem obedecer a qualquer moral, exibindo como suplemento um vazio de memória religiosa, cultural e histórica até hoje nunca experimentado em regime democrático (salvo talvez, e de forma incipiente, no período da 1ª República, 1910-1926)! *
Esta força de operacionais do terror, uma vez instalada no Poder, passouao ataque das forças do Trabalho de forma violenta e inesperada, levando para o território social um arsenal que possibilita a exterminação determinada de numerosos cidadãos de fragilidades mais acentuadas: - Mês após mês é anunciado inesperado imposto, cobrada insólita taxa moderadora num qualquer serviço de Estado. Mais, e pior, chegam mesmo a retirar dos salários
subsídios tradicionais (Natal e Férias) e, pasme-se, reduzem os próprios salários de forma arbitrária.
Como se sabe, acções destas nascem da intenção de angariar fundos mas, na medida em que estes visam desesperadamente um fim (suposto pagamento de enorme dívida externa), este encontra-se implícito no desespero violento destas acções de colecta de taxas e impostos. Digamos mesmo, há nestas medidas algo de alucinado, de suicidário!
Resumindo, a relação destas acções de colecta violenta com a vida mental que nelas se exprime, é de tal forma constante que nos permite plausíveis radiografias sobre o conteúdo do pensamento dos governantes, e sobre esta sua frente de interterror mercenário! –O fundo aparentemente oculto das suas mentes, aparece à luz do dia pela sua ausência de ética, de humanismo (cristão ou laico), do uso contínuo ora do cinismo ora da mentira no discurso institucional, de Estado. Por outras palavras, estas mentes revelam-se praticantes do fascismo mental a resvalar para um “nazismo caseiro”, digamos, género «Pátio das Cantigas»!
A iniciativadesta nova forma de violência está, naturalmente, nas mãos do governo, o que quer dizer que quem leva vantagem nesta guerra civilé o Poder Político que serve o Kapital!
O Parlamento apenas regista as lamúrias de uma oposição reformista, completamente aborregada, bem como os seus ralhetes palavrosos, incapazes de motivarem a resistência activa dos cidadãos e, portanto, sem qualquer influência revolucionária nas massas pauperizadas.
Quanto aos sindicatos, diga-se que organizam desfiles onde se repetem até à saturação as mesmas lamúrias, os mesmos ralhetes ao governo, que a oposição dos partidos de “esquerda” pratica no Parlamento. Devo acrescentar que a imensa multidão de gente auto-intitulada indignados, com as suas manifestações e desfiles mais ou menos “ordeiros”, acabam por praticar uma espécie de terapia de grupo, boa apenas para o ego dos próprios, nunca por nunca algo que atemorize o Interterror mercenário ao serviço do Kapital, e o faça recuar!
Em síntese, a guerra civil está instaurada, mas com o factor surpresa a funcionar em desfavor dos sofredores, do mundo do Trabalho!
O Interterror mercenário, além do apoio táctico e estratégico das força militares e para-militares, dos juízes e tribunais, passou presentemente a beneficiar da impunidade que lhe advém de administrar o País ao serviço de prestamistas estrangeiros, em nome de uma enorme dívida nacional, de contornos mal definidos e pagamento mal explicado e pior organizado. Com este imbróglio na ordem do dia, como factor “natural” impera o reino da “chantagem”, da ameaça velada ou declarada, da perseguição burocrática, do absoluto controlo dos cidadãos através do número fiscal, bem como um sem número de baterias que com o seu fogo podem varrer as “barricadas” dos eventuais insurrectos, mesmo antes que estes levantarem as “barricadas”.
A violência, que é lançamento desprevenido de enormes quantidades de cidadãos na precaridade económica e, portanto, a resvalarem para a indigência, desenha-nos um autêntico cenário de guerra civil. Já o dissemos: - Guerra civil com vantagem para os inimigos dos cidadãos, dos trabalhadores, dos contribuintes. O Interterror mercenário está definitivamente instalado!
Assim, em meu entender, a visão do momento histórico não pode fugir à figura histórica da guerra civil!
Acontece, porém, que a maioria da população, porque ainda não vê o sangue dos combates manchar as calçadas (embora esse sangue já exista!), julga que vive no território da calmaria civil e institucional. Esta ideia não pode estar mais errada!
Com efeito, nos nossos dias, existirá algo que não se encontre rodeado de ameaças, incertezas e riscos? – O emprego, a compra de medicamentos, a vida, a escolha dos estudos, a constituição de família, a reforma e pensão disto e daquilo, a emigração de portugueses, os “subúrbios” onde habita toda a miséria; tudo, mas mesmo tudo, é motivo de inquietação e insegurança!
O nosso dia-a-dia está povoado de armadilhas. A toda a hora sofremos autênticas emboscadas, planeadas como operações militares (acreditem ou não) a sofrer por todos nós, “declarados inimigos” do Estado e, naturalmente, do governo que o usa. Enfim, quase tudo é motivo de inquietação; quase tudo está armadilhado para nos explorar, para nos surpreender pela negativa, para nos emboscar, com métodos que conduzem ao nosso aniquilamento como seres humanos e cidadãos, cuja designação só encontramos recuando aos anos europeus anteriores a 1945.
Tentacular, omnipresente, o processo de ataque, municiado com um sistema matreiro de minas e armadilhas contra os cidadãos desprevenidos, acabou por transformou o território português num espaço de inquietação, e colocou a própria sociedade a respirar uma atmosfera de receios e temores.
Já quase não se acredita num futuro necessariamente melhor que o presente, porque ganham forma todos os dias novos medos ligados à prática governativa actual e àquela que vier no dia de amanhã.
Estamos sofrendo todos os dias, porque desapercebidos, uma enorme derrota nesta guerra civil, dado que nos tem faltado o essencial… - A coragem para erguer a barricada (que não é apenas levantar pedras da calçada), criar uma nova e organizada desobediência civil, alternativas sociais concretas e não retórica, criação de estruturas paralelas de sobrevivência, que ignorem o mundo do mercado e do lucro capitalista (ressuscitando um efectivo cooperativismo!) e, finalmente, colocar as renovadas bandeiras negra e vermelha a flutuarem ao vento no campo da imaginação e da nova insurreição!
Nem só de sangrenta violência são feitas as insurreições: - É urgente, como fonte de inspiração, voltar a estudar o exemplo da luta de independência, na Índia do Mahatma Gandhi!
----------------------------
* Excluímos o largo período da Ditadura por razões óbvias, entre as quais se salienta o facto essencial de que esse regime foi um absurdo e uma ilegalidade institucional.
* Excluímos o largo período da Ditadura por razões óbvias, entre as quais se salienta o facto essencial de que esse regime foi um absurdo e uma ilegalidade institucional.