Sobre o atentado de Paris já tudo foi dito. Ou quase tudo. Um vil ataque contra a liberdade de expressão e de imprensa. Sem qualquer tipo de consideração pela vida humana. Bárbaro e inexplicável. Em nome de uma suposta guerra santa contra a iconoclastia ocidental. Enfim, um ato hediondo, desprezível e anacrónico (se é que a violência religiosa em algum tempo fosse justificável). Já sobre as lágrimas que correram após o golpe terrorista e sobre quem as verteu ainda há muito que se lhe diga. De um dia para o outro todos acordámos Charlie. Todos nos arreliámos muito com a estocada traiçoeira que pretendeu vitimar o mais intocável e supostamente bem-amado dos valores ocidentais: a liberdade de expressão. Mas será que estaremos todos, mesmo todos, de facto, interessados em manter uma imprensa livre? Plural? Sem preconceitos? Interventiva? Acutilante? Muito sinceramente, não me parece! Não é necessário recorrer ao exemplo extremo do “Charlie Hebdo”, que tem aquela capacidade de nos desafiar a nós próprios, os nossos preconceitos, muitas vezes roçando o mau-gosto, outras galgando a cerca do bom senso, para perceber isso. Mesmo o mais pequeno jornal de província, ou principalmente esse, sofre diariamente as mais vis sevícias contra a sua autonomia editorial. Não nos iludamos do contrário. A dependência crónica dos meios de comunicação social face aos poderes económicos e políticos cria um tipo de terrorismo invisível e indizível que chega a ser sufocante. Confrangedor. Manhoso. É triste constatá-lo, mas a liberdade de imprensa não tombou a 7 de janeiro de 2015, em Paris. Como agora a choramos. A liberdade de imprensa, se é que alguma vez tenha existido em toda a sua plenitude, há muito que estava enterrada. E agora, pela violência dos factos, apenas foi feito um elogio póstumo à sua memória. Mais nada. Desde o dia em que as notícias passaram a ser simples produtos de mercearia. Desde a altura em que os jornalistas mais “incómodos” foram afastados e as redações se encheram de estagiários e de trabalhadores precários. Desde o preciso instante em que as direções dos meios de comunicação passaram a ser meros fantoches nos dedos das administrações, a liberdade de imprensa sucumbiu. E esse instante, esse dia e essa altura aconteceu há muito tempo atrás. Sem ser necessário disparar um único tiro de metralhadora. Hoje impera no jornalismo a teoria do “respeitinho”. Da dependência. Do medo. Do terror. Da autocensura. Impera no jornalismo a narrativa dos terroristas de Paris. Que é, na visão inversa dos atores, a narrativa de Torquemada. Em pleno século XXI.
Paulo Barriga (editorial da última edição do "Diário do Alentejo")