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Vem aí a época da Caridade!

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Joaquim Palminha Silva
          Sinto atrás dos meus passos o ruído arrastado das passadas da Caridade… que sempre acompanha a época natalícia.
Chego a perguntar-me se a Caridade não será um traço do carácter peculiar do nosso atraso cultural. Sinal exterior de incultura cívica ou, pior, tapa-culpas da inacção generalizada de pessoas e instituições democráticas de Estado, e sua tradicional incapacidade para remediar os males que afligem a sociedade, já que não é capaz de lhe por termo.
            Esta Caridade sazonal funciona como mecanismo mental de ajustamento à miséria, pretendendo ser uma almofada para aliviar o remorso ou mal-estar que nos dá (e nem a todos dá!) o sofrimento dos humilhados e ofendidos, dos pobres!
            Esta Caridade sazonal, tipo “bula”, que pretendem ver funcionar como salvatério espiritual, pois julgam que pode evitar a cada um a intranquilidade da consciência, pode dar a todos os “bem-feitores” a ilusão da sua “bondade pessoal”, a satisfação (que raramente é legítima e sincera) de socorrer o semelhante. Sobretudo, para os católicos amantes de exibicionismos de “bondade” e rituais, empresta-lhes a ideia de que “salvam” as suas almas!
            O rifoneiro popular nem sempre é o armazém de juízos sagrados que se julga, tenho mesmo a certeza de que por vezes além de idiota é malvado, representando às vezes o pior da mentalidade de um povo no decurso de séculos. Ora veja-se…
            Diz um ditado «Quem dá aos pobres, empresta a Deus!» … Pergunto: - Com juros compostos?! Tenham dó! Que ideia mais estapafúrdia, decidir que a Caridade é uma “conta corrente” e que o Pai Eternoé um “técnico de contas”! Dito de outra maneira, de modo a mostrar a estupidez da expressão: - Que mais poderia ambicionar uma pessoa de “boas contas” na área da Caridade do que ser credora do Céu? Sempre há cada atrevido!
            Na verdade, esta Caridade sazonal é o disfarce do egoísmo e, objectivamente, ela é o cimento que mantém de pé o edifício da iniquidade, e próspera na sociedade onde o privilégio duma minoria se entrincheira (com mil habilidades!) contra uma maioria que sofre!
            A Caridade “oficial”, travestida com as cores de cristianismo para exibições públicas (não sei se “alivia a alma” de alguém), não previne nem cura as pústulas sobre as quais se inclina, porque vive delas!
            É, talvez, porque vivo num País de pobres e miseráveis, e eu próprio um pouco na miséria também, que se me torna mais agudo o sentimento de aversão por esta Caridade calendarizada, com fotos de “gente boa” a dar “bodo aos pobres”!
Esta Caridade que apouca o pobre e faz dele um número de circo para o espectáculo natalício da “bondade geral” (com música, árvores e luzinhas coloridas), deve ser varrida da realidade social, hoje, amanhã e sempre! 

            Esta Caridade “oficial” precisa da lamúria e da submissão do pobre e, como parasita que é, só vive e próspera onde habita a desigualdade social e a exploração injusta do homem pelo homem. A previdência das instituições democráticas tem de tomar o lugar desta Caridade! Que Deus Nosso Senhor me perdoe: - Abaixo a Caridade de calendário!



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