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Portugal: fase terminal?

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Joaquim Palminha Silva
           Grande percentagem da actividade dos últimos governos de Portugal foi regida por tendências acentuadas para a delapidação do património nacional, e em larga medida para a execução de obras públicas faraónicas, absolutamente dispensáveis ou inúteis, num pobre País saído de uma desnecessária e esgotante guerra colonial em três frentes. País com atrasos e deficiências a vários níveis, em relação ao conjunto dos países “democráticos” da Europa ocidental.      
            Não penso que a expressa malignidade e o egoísmo puro e duro tenham sido sempre conscientes, propositados, por parte das amálgamas partidárias e burguesas que ocuparam o Poder, mas a própria natureza de classe dessas formações de fresca data a isso conduziu inelutavelmente, após cerca de meio século de abstinência político-partidária.
            Na verdade, tal um homem com uma ideia fixa há-de arranjar sempre maneira de ver os factos, seja eles quais forem, como ele os quer ver, assim veio a acontecer com os partidos que usaram (abusaram) do Poder de Estado, o qual entendiam (entendem), primeiro que tudo, ser “justo” sujeitar às necessidades de subsistência material e política das suas hostes e só depois, por acréscimo ou suplemento “caritativo”, se poderiam efectuar ao acaso alguns trabalhos de proveito nacional, cujo efeito imediato, mesmo assim, se sujeitava (sujeita) a beneficiar clientelas económicas e “grupos de pressão”, a quem o partido no Poder devia (deve) inconfessáveis favores. A ideia fixa dos partidos que usaram o Poder foi, pois, de que este mesmo Poder existia para se servirem dele e não para o partido, através dele, servir a Nação e o seu Povo, segundo a vontade expressa nas urnas de voto.
            Tudo isto, de resto, legitimado por uma Constituição que, elaborada exclusivamente pelos partidos políticos a seguir à queda da ditadura, colocava (coloca) estas formações civis na posição de exclusivos “usufrutuários” do Poder de Estado e, naturalmente, da imensa máquina administrativa dos respectivos Ministérios e Municípios, com seus apetecidos orçamentos e estruturas burocráticas. Esta ideia de “usufrutuários” do Estado (não de servidores da República), instalou-se de tal modo nas mentalidades correntes dos militantes partidários no Poder ou na Oposição (de passado político e intelectual muito duvidoso, como se tem verificado), que estes legislaram, governaram (desgovernaram) e administraram o País como se este fosse uma colónia ultramarina africana (ideia oriunda do recente passado histórico) a explorar paulatinamente em favor da metrópole (isto é, de si mesmos), de que se poderiam descartar a qualquer momento enquanto, por consequência, a população desta suposta “colónia”, apenas “pobres indígenas” sem instrução, sem hábitos cívicos e sem qualquer préstimo para o “civilizado” Ocidente, só prestava (“presta”) para sofrer a sua “democracia”, entretanto “sagrada” pelas sucessivas eleições.
            A somar ao que venho de sintetizar, temos as géneses históricas e sociais dos partidos políticos que ocuparam o Poder de Estado (central e local) nas últimas décadas, comprovam-nos como os seus modelos societários, inscritos no respectivo «programa político», foram várias vezes traídos, negligenciados, remendados, alterado o seu conteúdo e a sua forma e, finalmente, quando no terreno da prática governativa, todos os dias completamente esquecidos, quando não esfarrapados ou guardados no armário dos esqueletos da arqueologia democrática.
            O resultado deste imbróglio de décadas está à vista de qualquer atento observador: - Ficamos a sobreviver com enorme dificuldade num território completamente hipotecado ao estrangeiro, obrigados a trabalhar para o pagamento de dívidas de Estado “inexplicáveis” (incluindo a crueldade dos seus juros!), de que então não nos apercebemos. Para não alongar a lista estatística das desgraças, basta referir que na Saúde, a despesa pública já é inferior à média da OCDE, o que, segundo o relatório desta organização, «está a ultrapassar os limites de segurança».
            Se até há pouco tempo estávamos à beira de nos obrigarem a abdicar de liberdades democráticas perante a ditadura de impopulares e inexplicáveis necessidades materiais, entretanto, já descaradamente o Estado, ocupado por um governo autoritário, com fortes tintas de características fascistas, nos submete como escravos, nos explora como pobres “indígenas de colónia africana”. O que deveria ter sido, após Abril de 1974, o caminho para a possível felicidade dos portugueses, com a melhoria da sua qualidade de vida, perdeu-se não sabemos “quando e como”, para começarmos a retroceder, a recuar cada vez mais assustadoramente para as proximidades daquela abjecta situação que condena a maior parte da população à pobreza.
                                                                                                                            


            O actual Parlamento está esvaziado de substância política autónoma, não é livre, portando, no que se refere a representar e defender os anseios e reivindicações do eleitorado que elegeu os seus deputados. Todas as funções da maioria parlamentar limitam-se a obedecer à disciplina de voto recomendada pelo Governo que, por sua vez, obedece aos prestamistas estrangeiros. As reformas da máquina administrativa da República são “sugestões” políticas imperativas, redigidas por estrangeiros que nada sabem de Portugal, mas que o Governo se esforça por cumprir, às vezes com excesso de zelo (o secretário de Estado, até ao ano de 1640, Miguel de Vasconcelos, não fez pior nem foi menos eficaz ao serviço de Espanha!). Seja como for, os votos de uma maioria confortável fazem que sejam aprovadas todas as aberrações legislativas, todas as traições à integridade, relativa independência e recuperação económica de Portugal. Enfim, afigura-se urgente encetar uma reforma que consiga desenfeudar o Parlamento da tutela de governos anti-patrióticos!
            Falemos da Oposição…
            Devido às condições a que tem estado subordinada a vida política nacional, vive-se um efectivo rotativismo no exercício do Poder, já entretanto experimentado na 2ª metade do séc. XIX. Acontece, por conseguinte, que se têm alternado no uso e abuso do Estado o PS e o PSD, pelo que a suposta “oposição” do PS ao PSD e vice-versa é uma ficção no que respeita ao conteúdo, embora as formas babilónicas pareçam desiguais. Assim sendo, esta “oposição” não é susceptível de uma interpretação séria, a menos que se queira entrar no palco e participar na tragicomédia que vimos encenada e representada há décadas.
            A oposição de esquerda ainda inclui em Portugal, com alguma preponderância, o tradicional partido comunista e agrupamentos alternativos com assento no Parlamento. Porém, estes últimos, de ideologia política heterogénea, difícil de classificar, e sem qualquer significado de classe, bem como em relação à tomada do Poder, não são formações políticas credíveis, actuando mais como grupos de pressão dotados de alguma organização.
            O desaparecimento das sociedades alternativas alicerçadas no marxismo, que pudessem ser consideradas representativas de modelos alternativos às sociedades capitalistas e liberais do Ocidente, nem por isso provocou o desaparecimento dos modelos explicativos que o marxismo da 1ª metade do século XX havia proposto. Pelo contrário, o modelo contínua a ser utilizado por várias gerações de militantes comunistas que, diga-se, passam uma esponja sobre as barbáries, abastardamentos e reformismos acontecidos, e até já conseguem ver no cruel despotismo chinês, de um hediondo e primário capitalismo, uma “variante” do socialismo.    
            Os ideólogos e pensadores marxistas e comunistas portugueses, desde há algum tempo que sentem dificuldades em determinar o seu papel na sociedade portuguesa, esquecida e arrumada nas gavetas da história a áurea da resistência heroica contra a ditadura. Entretanto, a tarefa política dos comunistas tornou-se paradoxal, uma vez que o partido pretende conservar o seu assento parlamentar a todo o custo, e a sua feição de formação responsável aos olhos do Kapital e dos lacaios portugueses dos prestamistas estrangeiros. A situação de partido “respeitável” e fiável (embora no presente espectro figure para o conservadorismo idiota como oposição “radical”), capaz de formar governo a qualquer momento, naturalmente dentro do actual redil constitucional, torna-se cada vez mais intransponível
A sociedade liberal moderna e o seu regime democrático tratam bastante bem quem lhe apaparica o sistema (mesmo das bancadas oposicionistas), tornando todos os seus directos colaboradores, situacionistas ou oposicionistas, beneficiários de “gordos proventos” políticos e materiais, quando não a nível central, a nível regional ou municipal.
            Entretanto, o uso excessivo da central sindical na organização de sucessivas greves gerais, completamente despidas do seu original carácter revolucionário, tendo resultado em desgastantes fracassos para o fim a que se propunham, o despesismo estapafúrdio em muitas Autarquiasde gestão comunista e formações acompanhantes (em muitos casos, agravado depois pelos socialistas), e um estilo de oposição parlamentar que se caracteriza pelo interminável ralhete ao Governo, no tom de “encarregado de educação” que surpreende o educando em plena prevaricação e, portanto, o repreende, explicando-lhe depois como se devem fazer os “trabalhos de casa”, prenderam de tal forma os comunistas às “regras do jogo” que, mesmo justificados e esclarecedores, os seus discursos perderam qualidades mobilizadoras e, um dia (2012), aconteceu o inevitável: - Cerca de 150 a200 mil manifestantes, entre si mobilizados através das denominadas “redes sociais” (Internet e Compª. Lda.), desfilaram em Lisboa, completamente à margem da organização comunista e da central sindical sob sua influência, gritando as suas reivindicações que são, afinal de contas, as reivindicações de todo o povo trabalhador!
            Enfim, ultrapassado (“à esquerda”?) pelas massas populares, queira ou não reconhecer o fenómeno, o partido comunista enfrenta um dos momentos mais graves da sua história. Que fazer? – Cabe a este partido responder…
Chegado a este ponto da exposição, é útil concluir…
           O diagnóstico da situação portuguesa já foi feito e, todos os dias, é actualizado por especialistas de vários quadrantes políticos. A crise pode estar controlada, mas continua a ser ameaçadora, pois ela é para os prestamistas estrangeiros um “modo de vida” lucrativo…
            Cada vez o jogo se torna mais arriscado e as apostas mais elevadas. Vão aumentar nos próximos meses taxas disto e daquilo, impostos directos e indirectos, taxas moderadoras na saúde, preço dos artigos de consumo de primeira necessidade. Vão aumentar as importações de produtos alimentares, de medicamentos, de tecnologia, etc..
            Portugal asfixia! E como a situação é esta, o fosso entre o que seria necessário e o que é possível evidencia-se como uma imensidão. Entretanto, mesmo se a consciência da obrigação de superar a crise é real, faltam-nos os meios para o fazer.
            A razão e a lógica conduzem-nos ao pessimismo, que é fruto da lucidez. Todavia, sem recusar a lucidez, precisamos de fazer renascer o optimismo da vontade revolucionária!
            Sem vontade de ruptura cultural, política, institucional e social, não haverá mudança!      Na fase terminal em que o País se encontra, que é que Portugal perde, se o seu povo trabalhador, organizado para a luta radical, amanhecer a levantar barricadas?!

            

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