Ainda me lembro como tínhamos de escaldar a sola dos pés na areia a “ferver”, até alcançar a água para tomar banho na Costa da Caparica… Porém, apesar de ser um miúdo tímido, sabia ver como a praia era boa… e também a minha prima Teresa! – Parece que a estou a ver, metida num fato de banho (dito maillot) peça única, mas tão cingido ao corpo que, de olhos postos nele, a minha infância se afastava a passos largos, deixando aproximar-se, de mansinho, a adolescência, logo pronta a adivinhar as formas interessantes que esta indumentária estival sublinhava! Parece que a estou a ver em 1958, balançando-se ao som da canção italiana «Volare, oh, oh» (Domenico Modugno), atirada ao vento pelos altifalantes do concessionário do espaço de praia, «Dragão Vermelho»: «Penso che un sogno cosi non ritorni mai più / Volare, oh, oh!… ».
Ainda lembro as noites de cinema da minha adolescência, quando a «Academia Almadense» tinha uma alegre e sonora esplanada. Foi aí que tomei conhecimento da existência recortada do fato de banho, exibido no corpo das estrelas de Hollywood. Por exemplo, dessa nadadora “sereia” chamada Esther Williams. Mas de quem eu me lembro mais, e com particular carinho, é da Elizabeth Taylor, no fato de banho branco colado ao corpo (cartaz de erotismo subversivo!) para o filme de Joseph L. Mankiewiez, Bruscamente no Verão Passado… (segundo um texto dramático de Tennessee Williams).
No entanto, apesar do calor estival, na década de 50/60 a mulher portuguesa ainda continuava muito “abafada” nos seus maillotsbrancos e negros, desperdiçando a oportunidade de se “descortinar” um pouco mais, como víamos acontecer nos filmes com Lana Turner ou Janis Paige, banhando-se insinuantes em praias de sonho e aventura…
Jovens com fatos de banho modelo MPF (anos 50, séc. XX) e capa da revista «Menina e Moça»
O fato de banho exibido no cinema… Enfim, ainda se aceitava, mas saindo de lá, era “pecado”! A revista «Menina e Moça» (“Mocidade Portuguesa Feminina”), no seu número de Junho de 1952, apresentava este texto, dirigido à rapariga que se deitava no areal: «O teu modo de apreciar um fato de banho deve ser diferente […]. Parece-te que te sentirás bem ou mal com certos maillots diante dos teus irmãos ou do teu noivo?». Concluindo, sentenciava com a “moral” da época: «O fato de banho é… para tomar banho! Não andes a passear com ele, nem te deites na areia em posições descompostas». De resto, para fatos de banho mais atrevidos, usados por jovens mulheres “distraídas”, lá estava o vigilante «cabo-do-mar» (normalmente um mal-humorado sargento da Marinha) pronto repreender a prevaricadora e a passar multa…
Época de requentadas “moralidades”, quando o fato de banho de duas peças já corria pelas praias de Miami, Acapulco, Saint-Tropez e Capri, inventado pelo francês Louis Réard em 1946… Nesse ano de 1958, ainda eu não sabia da invenção provocadora do gaulês que (vejam lá a coincidência!) veio a tomar o nome do atol onde foi feito um teste atómico, bikini!
Nesse ano, dizia eu (e arrasam-se-me agora os olhos de lágrimas!), deixei de ser criança, começando por me despedir do «Cavaleiro Andante» (semanário juvenil) e dos seus heróis, meus grandes amigos (entre outros, recordo com saudade Mandrake, Flash Gordon, Sitting Bull, Zorro, Tim-Tim, Tarzan, Beau Geste, Mortimer e o Falcão)…
Conheci (no cinema, é claro!) a Ingrid Bergman, a Joan Crawford, a Katharine Hepburn, a Rita Hayworth e outras… Mas de todas elas, e por causa do bikini, foi a Brigite Bardot quem prendeu mais a minha atenção!… Decididamente, eu havia crescido, enquanto os fatos de banho das praias de Portugal, eles também, estavam a mudar… paradoxalmente, tornando-se mais pequenos!
Raquel Welch, Marilyn Monroe e Jane Mansfield acabaram por demonstrar aos mais cépticos moralistas que os seus e outros bikinis, espalhados por todas as praias do mundo, podiam acrescentar um surpreendente interesse turístico aos lençóis de areia e, assim, tornar o Verão um alegre despertar da vista, sobretudo para quem disfrutava de merecidas férias.
O fato de banho de duas peças fez furor, atraiu atenções nos primeiros anos e ficou definitivamente inscrito nos “anais” dos anos 60, para o que contribuíram os Beatles com a sua canção, hoje paradigmática, «Its a bitsy teeny wenny yellow polla dots bikini»! A “moral” de entre as duas guerras e, entre nós, o retardado “cinzentismo” do parece mal salazarento, foram derrotados aos poucos, muito lentamente, diga-se. Convenhamos que havia cortes e recortes no fato de banho chamado bikini, que não iam com os “costumes” lusitanos e suas viriatas virtudes. Recordemos: - O soutien perdeu a tradicional “caixa” e estava sobre os seios da mulher com uma única e exclusiva função, sublinhar a sua forma; a cueca ou cuequinha, se preferirem, passou a ser constituída por dois pequenos triângulos de tecido presos ou seguros por duas tiras de tecido ou fitas… Enfim, o erotismo visual, se assim posso dizer, estava de parabéns e, por tal, não parece ter vindo mal a este pobre mundo ou brotarem das areias de Portugal desmoralizações escusadas, acompanhadas de situações embaraçosas!
Entretanto, este lento strip-teasede praia, com ou sem “banda sonora”, esperou duas décadas para que as extravagantes milionárias e as exibicionistas artistas de cinema veraneantes na Cote D’Azur se cansassem dos seus extravagantes bikinis e iniciassem a moda do topless. Das praias frequentadas pelos luxuosos e luxuosas que emprestavam a figura para capas de revistas de futilidades, a difusão dos seios à mostra alastrou das finas areias chiques para as praias populares, suburbanas, onde se ouvia “rádio”, comiam conservas, batatas fritas, “línguas da sogra”, “bolas de Berlim”, às vezes não muito “frescas”, e enxotavam moscas. A democratização dos costumes é assim mesmo!
Todavia, como sempre, o toplesslevou tempo a ser praticado em Portugal, só alcançando a sua libertação efectiva após Abril de 1974… Hoje, comprando só metade do bikini, não sei se se economiza dinheiro, sei no entanto que, nesta época de paulatino desaparecimento de praias (Costa da Caparica em primeiro lugar), com o mar de sobrolho franzido para a barafunda da construção civil à sua beira, avisam-nos quanto o Sol se tornou sério inimigo do corpo e… do povo! Perigosamente vulgarizados, bikinis e topless, já não obrigam a um agradável desvio do olhar masculino… O antigo encanto foi-se, substituído pelo susto da perigosa e suicidária exposição aos raios ultravioleta!
Seja como for, gostaria de encomendar às andorinhas, que ainda riscam no céu as suas mensagens enigmáticas para a Eternidade, que me escrevam uma palavra de amor neste Inverno: - Saudades para a Costa da Caparica!
©Joaquim Palminha Silva