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Municipalismo mercenário

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          Como todos sabem, os partidos políticos que nos saíram nesta lotaria de trafulhas (teimamos em chamar-lhe Democracia), depois de andarem 40 anos a estragar o País e a besuntarem de nódoas desavergonhadas o regime republicano e democrático, parasitando com as suas clientelas as estruturas do Poder, complicando tudo onde metem as mãos (que nunca se sabe quando estão limpas), vieram logo de seguida para a Província povoar o Poder Local. E, assim, a Câmara Municipal deste e daquele Concelho, veio a ser pasto dos partidos com as suas legiões locais de fura-vidas, de afilhados favorecidos, de arrivistas crónicos, de falhados da vida profissional e/ou académica, de oportunistas de todo o jaez.  
       Naturalmente, aos partidos não lhes importou que tenha ficado pervertida a instituição municipal, pois o que lhes interessa é que a sua subsistência material fique vinculada à Câmara Municipal, para que daí lhe advenha um constante meio de vida, mesmo fabricando empresas municipais desnecessárias, endividando o Município a despropósito, inaugurando, inclusive, a “decoração” da saída das cidades com rotundas por uma pá velha e erguendo um “mobiliário urbano” estapafúrdio, dispensável.
            Como afastar de urna Câmara Municipal toda esta combinação sufocadora? – Só colocando à consideração do eleitorado cidadãos prestigiados na comunidade, suficientemente conhecidos pelas suas virtudes cívicas e pela sua formação humanista. Cidadãos que se tenham entretanto evidenciado pela sua generosidade pessoal ao serviço da comunidade; cidadãos que estejam acima da pressão dos partidos e do estreito interesse de clientelas económicas, nacionais e estrangeiras.  Infelizmente, que saiba, tal nunca aconteceu de forma exemplar!
          No decurso destas quatro décadas, os estragos que os partidos políticos fizeram no Poder Local falam por si: - As Câmaras Municipais transformaram-se em réplicas pacóvias do Terreiro do Paço, dos Ministérios de Lisboa, travestiram-se em centros de emprego de clãs e tribos familiares (do avô ao neto); as dívidas cresceram e os disparates de toda a ordem e género aumentaram, correntemente praticados pelo conjunto dos partidos políticos. Naturalmente, uns partidos esfarraparam e desorganizaram mais que outros, segundo as ocasiões, o baixo, médio ou apagado nível cultural e cívico dos seus “militantes profissionais”, bem como os apetites dos seus respectivos séquitos e tropa fandanga de lacaios.
           Nestes últimos 40 anos, o Poder Local foi um verdadeiro País das maravilhas, nunca sonhado por Lewis Carroll para passear a sua “Alice”. Ganhar as eleições para uma Câmara Municipal, passou a significar que o partido A ou B (e a sua legião de devoristas regionais) seria sustentado localmente…com a cobertura da legalidade democrática, inaugurada em Abril de 1974!
       Já se sabia que as eleições autárquicas eram o grande trabalho dos partidos políticos na Província, bem como a sua grande epopeia doutrinária e administrativa. Todavia, não sabíamos tudo…
           Finalmente, descobrimos que os cidadãos ao elegerem o mesmo candidato a presidente de uma Câmara Municipal por um, dois, três mandatos seguidos, e ao introduzirem os votos nas urnas, acabam por lhe atribuir (sem o saberem!) um certificado profissional de “presidente” de Câmara, de autarca profissional. Isto é, o cidadão tal ou tal, eleito presidente de uma Autarquia, fica definitivamente habilitado a exercer as funções de presidente de edilidade, seja em que circunstâncias for e em que localidade o seu partido necessitar do seu “profissionalismo autárquico”.
Na verdade, pode até dar-se o caso de o “profissionalizado presidente” de Câmara vir a mudar de partido político, procurando desta forma uma situação material mais condigna com a sua “experiência profissional”! Tais “profissionais” são mercenários? – Que ideia! São gente do melhor!
            A que vem isto a propósito? – Vem a propósito de ter ouvido os gorjeios da passarada da boa sorte e, destes cantos e descantes, como os áugures da Roma clássica, nada ter tirado de bom em termos de candidaturas futuras para as Câmaras Municipais, além da estapafúrdia ideia dos partidos quererem impingir cidadãos que já esgotaram o seu tempo político de presidentes de Municípios.
            Não aparece uma ideia inovadora, um projecto reformador (já nem digo revolucionário!), um grupo de cidadãos desassombrados, sem receios nem oportunismos de circunstância, capaz de apresentar algo que nos garanta inovação e democracia directa!
           E para terminar, com a prosa acutilante de Eça de Queirós no jornal eborense Distrito de Évora (nº 5, Janeiro e 1867), recordamos o aviso:
          «Oh! pelo amor de Deus, estejamos todos sérios: assim o governo fará alguma coisa proveitosa e fecunda. Ele caminha com as mãos cheias dos destinos da pátria, e não os deixa cair, mas é necessário que estejamos todos muito sérios: se nos rimos o país desmorona-se. Há muito tempo que os governos em Portugal andam dizendo para os lados, com bonomia e gorda satisfação: “não me façam cócegas!”».

Joaquim Palminha Silva (por mail)

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