Gustavo Cordeiro Ramos foi um dos mais brilhantes alunos e mais tarde, ainda que por pouco tempo, professor do Liceu Nacional de Évora. As notas biográficas existentes no Parlamento retratam-no como «um dos principais ideólogos da formatação da política de Educação no Estado Novo tendo por referência o modelo nazi». Por três vezes foi o Ministro da Instrução no tempo da Ditadura Militar e durante cerca de 4 meses exerceu a mesma função já no primeiro governo do Estado Novo. Subitamente Salazar substituiu-o. Gustavo não conseguia controlar a sua homossexualidade desregrada o que comprometia a imagem do governo. Mas o ditador não o deixou cair por completo. Na sombra e como procurador à Câmara Corporativa e professor catedrático da Faculdade de Letras de Lisboa continuou a construir o novo paradigma da educação nacional que a chamada reforma Carneiro Pacheco institucionalizou em definitivo.
Abraçou entusiasticamente as teses de Adolfo Hitler e foi multi-condecorado e distinguido pelo governo alemão nacional-socialista pelos relevantes serviços prestados à causa. Dele se disse que o foi o único português a conhecer pessoalmente o Fuhrer. Uma coisa é certa: ele foi sem sombra de dúvida o maior apoiante do regime nazi em Portugal.
1. Os tempos de Évora
Gustavo Cordeiro Ramos viu a luz do dia, na cidade de Évora, a 8 de Março de 1888 sendo um dos quatro filhos de Augusto José Ramos, um médico natural de Gouveia que se fixara na cidade, e de Ana Maria Cordeiro Vinagre, herdeira de uma família abastada residente no concelho (1) . Todos os irmãos frequentaram o Liceu de Évora para realizarem os seus estudos à excepção da única menina, cujo único objectivo era apenas o de concluir o curso geral.
Desde a escola primária que Gustavo se veio a revelar como dotado de uma inteligência viva, brilhante, fulgurante mesmo. Terminou os estudos secundários em 1905 com a mais elevada classificação de sempre atribuída nesse primeiro quinquénio do século passado. Foi então para Lisboa ingressando no Curso Superior de Letras onde veio a confirmar as suas superiores capacidades licenciando-se em Filologia Germânica, de novo com uma classificação extremamente elevada. Já então os seus conhecimentos da língua e da cultura alemãs eram impressionantes.
Regressou a Évora em 1909 ascendendo de imediato a professor efectivo do Liceu. Tinha apenas 21 anos . Aqui se manteve, porém, por pouco mais de um ano. Para tão curta permanência contribuiu em muito o Professor Doutor José Maria Queiroz Veloso., também docente no Liceu (2) e que acabaria por abalar para Lisboa a fim de ir dirigir o Curso Superior de Letras , o qual em 1911, com a reforma republicana viria a dar. origem à Faculdade de Letras.
Queiroz Veloso que tinha sido docente no Liceu de Évora durante 14 anos e havia sido seu professor e depois colega, conhecia-lhe bem os méritos e por tal não teve dúvidas em convidá-lo , apesar da sua juventude, para integrar o quadro de professores da nova instituição universitária, entregando-lhe a docência das disciplinas de Literatura Alemã e Gramática das Línguas Alemãs.
Entretanto os seus irmãos mais velhos, Mário e Raul Cordeiro Ramos optaram pela carreira militar tornando-se oficiais do exército. A irmã Judith viria a consorciar-se com o médico veterinário António Piteira de Figueiredo, lavrador e proprietário na zona de Montemor-o-Novo Quanto a ele , monárquico convicto e católico indefectível aderiu ao Integralismo Lusitano no seguimento de uma escolha efectuada em 1908 quando decidiu associar-se no Centro Académico Monárquico onde pontificavam entre outros Carneiro Pacheco, Fezas Vital e Alberto Monsaraz (3).
2. A paixão pela Alemanha nazi
Pela Faculdade de Letras se manteve até 1922, ano em que decidiu ir para Leipsig a fim de aprimorar os seus conhecimentos da língua e cultura alemãs e preparar a sua tese de doutoramento sobre o poema dramático “Fausto” de Johann Wolfgang von Goethe, não sem que antes se tivesse filiado no Centro Católico Português em que militavam Oliveira Salazar e Gonçalves Cerejeira (4)
Em Leipsig tomou contacto com o ideário do Partido Nacional-Socialista, fundado em 1921, e com a Juventude Hitleriana, criada no ano seguinte para treinar e integrar politicamente as crianças e os adolescentes para serem colocados ao serviço do partido. Consoante a sua idade os jovens eram organizados em grupos ou milícias paramilitares.
Por lá se manteve durante cerca de quatro anos num ambiente que o seduzia dos pontos de vista intelectual, pessoal e afectivo. Já então corriam rumores sobre eventuais tendências homossexuais, uma vez que tinha 34 anos e não se lhe conheciam amizades ou afectos femininos. Em 1926, com a queda da República e a subida da direita ao poder em consequência do golpe militar do 28 de Maio, regressa a Portugal para apresentar a sua tese de doutoramento na Faculdade de Letras tornando-se ainda nesse ano seu professor catedrático (5).
Em 1928 responde afirmativamente ao convite do coronel Vicente de Freitas para fazer parte do 2º. Ministério da Ditadura Militar pós Carmona- entretanto nomeado Presidente da República- com a missão de sobraçar a pasta da Instrução. O governo toma posse a 18 de Março mas vem a cair seis meses passados a pretexto de uma questão religiosa mínima mas que Oliveira Salazar (nas Finanças) e Cordeiro Ramos aproveitam para esticar a corda em demasia visando provocar a demissão do coronel, o que conseguem (6). Em sua substituição é nomeado o general Ivens de Freitas, também de índole moderada, mas os ministros de direita não o deixam sossegado impedindo-o de levar a efeito uma política conciliatória entre todos os portugueses.
Entretanto começa a gizar o seu plano de implantar em Portugal o modelo nazi de educação, cultura e instrução, criando a Junta de Educação Nacional (JEN) (7). O seu fito era o de «fomentar uma intensa e eficaz formação dos nossos investigadores que permitisse, em colaboração com os de outros países, recuperar o nosso atraso científico». Para que tal se tornasse viável caberia à JEN promover a melhoria das condições materiais e morais de estudantes, jovens professores e investigadores (entre eles estiveram Agostinho da Silva, Delfim Santos e José Rodrigues Miguéis) que quisessem participar nesse movimento de cooperação intelectual fazendo estágios, participando em congressos ou quaisquer outras reuniões e eventos de carácter científico. Aos candidatos a beneficiários a este apoio era sugerida a preferência pelo encaminhamento para a Alemanha. Cordeiro Ramos e a maioria da jovem intelectualidade nacional viam na Alemanha o novo farol da cultura, da ciência e da arte à escala mundial 7.
Antes porém reintroduzira o Alemão como língua obrigatória nos cursos complementares dos liceus com uma carga horária de quatro horas para os alunos de Letras e três para os de Ciências por entender que os governos republicanos a haviam desvalorizado ao extremo de limitar o seu ensino a duas horas semanais e apenas para os cursos científicos (8).
3. O reconhecimento do Liceu e a acusação de plágio
A nível de Évora, Gustavo teve um papel decisivo na resolução que constituía a não ocupação de grande parte do Colégio do Espírito Santo. Quando da sua instalação em 1841 o edifício estava na posse da Casa Pia que para o efeito houve de ceder várias das suas salas, sob contrato de arrendamento. Sucede que passados cerca de 80 anos a situação não se alterara e a frequência do Liceu crescera desmesuradamente pelo que se tornara ainda mais premente aumentar o seu espaço e ampliar as suas instalações.
O problema alastrava-se a outras cidades do país (Lisboa, Porto, Coimbra, Castelo Branco, Lamego, Santarém e Beja) em que as instalações eram demasiado exíguas para as necessidades, de forma geral com os respectivos liceus implantados em imóveis muito antigos e deteriorados que já reuniam as condições mínimas indispensáveis para suportarem e alojarem o crescente e imparável número de alunos que os procuravam. A solução era óbvia e passava pela criação de novos liceus. Ciente disso, Cordeiro Ramos, conseguiu obter junto de Oliveira Salazar, Ministro das Finanças, uma verba vultuosa para a consecução desse objectivo.
Mas António Bartolomeu Gromicho, reitor do Liceu de Évora por si nomeado e seu amigo pessoal, não queria que este saísse do carismático Colégio do Espírito Santo. Cordeiro Ramos fez-lhe a vontade negociando a saída da Casa Pia para outro local e fazendo reverter o imóvel para a posse do Estado. Removido assim o obstáculo impeditivo o edifício foi entregue ao Liceu pelo que Gromicho pôde protagonizar a sua total recuperação e procedendo ao progressivo alargamento da área ocupada que se foi verificando ao longo da década e meia seguinte (9).
Ivens Ferraz porém não gostava dele e acabou por substituí-lo.
Foi durante este período que Gustavo Cordeiro Ramos conheceu nova contrariedade. O professor Santana Carlos acusá-lo-á na revista literária “Águia" (10) de ter plagiado partes substanciais da sua tese de doutoramento, de lições sobre “Fausto” de Goethe ministradas numa Universidade francesa. A acusação causou escândalo nos meios intelectuais e políticos. A revista acabará suspensa temporariamente e proibida de voltar a referir-se ao assunto. Pensou-se que a boa estrela, que o tinha acompanhado, empalidecera.
Mas Gustavo só esteve fora do Ministério da Instrução pouco mais de quatro meses porque o próprio general foi apeado do lugar de chefe do governo e substituído por outro general, Domingos Augusto Alves da Costa Oliveira, muito mais chegado à direita. E com ele Gustavo Cordeiro Ramos voltou ao comando do Ministério da Instrução, onde se iria manter por dois anos e meio.
4. O lançamento do modelo nazi de educação
Mais. Domingos de Oliveira deu-lhe carta branca para desmantelar toda a estrutura educativa ainda sobejante da governação republicana e conferiu-lhe o seu aval para implantar um modelo semelhante ao alemão, Cordeiro Ramos não perde tempo e o seu afã reformador não conhece limites. Em 1931 cria a Universidade Técnica de Lisboa e institucionaliza a profissão de regente escolar, permitindo que o ensino primário chegue aos locais mais recônditos e atrasados do país a fim de diminuir a taxa de analfabetismo, flagelo que os governos republicanos não haviam conseguido atalhar de forma significativa apesar das múltiplas promessas e dos esforços desenvolvidos nesse sentido.
Na primeira metade de 1932 desdobra-se na apresentação de diversas iniciativas. É o autor do projecto de criação da Liga da Mocidade Portuguesa cujo objectivo é o de colaborar no «robustecimento e elevação pelo espírito de disciplina e energia das novas gerações pelo espaço e moral que elas praticam em nome da defesa da ordem pública da defesa da Nação» e estará na base da criação da Mocidade Portuguesa em 1936
A sua audácia e arrojo vão ao ponto de mandar publicar em Diário do Governo o Decreto 21.000, por si assinado e emanado do seu Ministério , um regulamento de educação física a ser obrigatoriamente implantado em todos os liceus, atendendo a que« até hoje o ensino tem sido feito às avessas prejudicando a educação física e intelectual». O regulamento que ensina e exemplifica mesmo com gravuras os exercícios que devem ser praticados estende-se por 32 páginas da folha oficial11.Ele vai ser igualmente o principal impulsionador do escutismo católico ao criar e oficializar a Organização Escutista de Portugal nomeando como seu delegado e presidente o também germanófilo Vítor Braga Paixão.
Tudo parecia correr de feição para Gustavo Cordeiro Ramos quando inclusive o seu amigo Oliveira Salazar o mantém como Ministro da Instrução Pública quando da sua primeira nomeação para Presidente do Conselho. Mas quatro meses depois o homem de Santa Comba Dão, após uma remodelação ministerial, afasta-o do cargo e nomeia para o seu lugar, o já referenciado Carneiro Pacheco.
A decisão deixou perplexa e espantada toda a gente, incluindo o ministro que foi oficialmente foi informado de que a mesma se devia à contestação de muita gente que o acusava de estar a politizar o ensino, nomeadamente, o primário. De facto Cordeiro Ramos tinha chegado ao ponto de tornar obrigatória a inserção nos manuais escolares de textos de autores como Benito Mussolini, Quirino de Jesus, Alfredo Pimenta, Pequito Rebelo, Alberto de Monsaraz e António Sardinha. E havia quem torcesse o nariz a esta proliferação de textos doutrinários oriundos da mais reaccionária extrema-direita.
A justificação apresentada pelo ditador pareceu pouco convincente. Gustavo Cordeiro Ramos defendeu-se junto do ditador dizendo-se vítima de uma armadilha que fora urdida pelos seus detractores pelo facto de ele perfilhar ideais de extrema-direita o que não era bem visto por alguns apoiantes do Estado Novo. Acontece que Cordeiro Ramos acabou por aceitar bem a sua saída do governo e reforçou ainda mais os seus laços de fidelidade a Oliveira Salazar.
5. Homossexualidade afasta-o do Governo mas não do regime
A moderna historiografia tem outra explicação.Cordeiro Ramos foi traído pela sua homossexualidade que deixara de ser discreta e cuidadosa na escolha dos seus parceiros para começar a ser muito conhecida e comentada fora da elegante esfera burguesa onde era muito bem tolerada.. Mas tal como no Partido Nazi, também no Estado Novo podia ser-se homossexual mas sem se infringir as regras do decoro ou do recato público (12) Vícios privados, públicas virtudes, era a regra. Ora Gustavo Cordeiro Ramos havia perdido a noção das conveniências e fora por duas ou três vezes interceptado em rusgas a urinóis públicos ou pensões rascas na imediações do Príncipe Real, perto do próprio Ministério (13).
Salazar viu-se assim obrigado a decidir-se pela sua não manutenção no governo mas não o deixou cair e na sombra manteve-o como verdadeiro ministro da Instrução. Os seus substitutos, Alexandre de Sousa Pinto e depois Eusébio Tamagnini, ambos nacionalistas e seus velhos conhecidos do Integralismo Lusitano não colocam quaisquer entraves o a que Gustavo continue a desenvolver o plano de reforma educativa por congeminado e gizado. Assinale-se que Cordeiro Ramos havia voltado à Faculdade de Letras e fora nomeado procurador à Câmara Corporativa na sequência das eleições legislativas de 1934 (14).. Aliás essa reforma teve de passar pelo crivo deste órgão tendo sido o próprio Gustavo Cordeiro Ramos o relator do parecer final.
Mas para a implementar Salazar precisava de alguém de pulso forte e politicamente capaz. Foi assim que em 1936 nomeou para o lugar Carneiro Pacheco. A reforma 15 veio a ser conhecida pelo seu nome mas para qual se limitou a assegurar a sua execução e a mudar a designação do Ministério que passou a chamar-se da Educação e da Junta da Educação Nacional que viu o seu nome alterado para Instituto de Alta Cultura. De resto a introdução do livro único, a obrigatoriedade da aposição do crucifixo nas salas de aula e a sujeição do casamento das professoras à autorização do Estado (16) tudo foi da lavra de Cordeiro Ramos que defendia. ser urgente criar pela educação «um homem novo português.»
Disse-o claramente ao defender que : «Sob o disfarce do laicismo fez-se uma obra criminosa , anti-social e anti-patriótica de descristianização. (...) A religião tem de ser considerada como uma necessidade do Estado. A ordem nova com os seus conceitos dominantes de autoridade e de nação só se compreende admitindo uma ordem superior». Por outro lado Carneiro Pacheco compreendeu que «as transformações educativas precisavam de um discurso de suporte » que valesse «sobretudo pela atribuição de sentidos á acção escolar e à política educativa».
E isso só Cordeiro Ramos lho podia assegurar, nomeadamente quando num discurso intitulado “Os fundamentos éticos da Escola no Estado Novo” (17) vincou o primado da educação sobre a instrução : « Alargou-se a acção da escola, cujo fim não é apenas ensinar, mas sobretudo educar e educar politicamente, no sentido nobre da palavra, isto é, transmitir conhecimentos que não contrariem, antes favoreçam os fundamentos morais do Estado».
6. O amigo dos nazis e o agradecimento de Hitler
Nesse ano de 1936 desloca-se à Alemanha para assistir aos Jogos Olímpicos de Berlim. Estreita ainda mais as relações que teve com elementos do Partido Nazi e consegue mesmo que no ano de 1938 Joseph Goebbles, o famigerado Ministro Alemão da Propaganda, escreva o prefácio de uma antologia de textos e discursos de Salazar, com prólogo da sua autoria, numa edição que é patrocinada pelas autoridades nazis (18).
Entretanto a partir da sua cátedra continua a tecer os maiores louvores e elogios ao regime nazi e ao ditador germânico que vivem os seus dias de glória afirmando a sua superioridade rácica, cultural e intelectual sobre todos os outros países do mundo. Faz visitas cada vez mais demoradas à Alemanha, vela pelos interesses germânicos e difunde por toda a parte as virtudes do povo teutónico . Em tudo o que diz respeito a assuntos entre Portugal e a Alemanha ele é o interlocutor escolhido por Salazar para o representar dada a confiança que o próprio Hitler nele deposita. Cordeiro Ramos terá sido mesmo o único português a conhecer pessoalmente o ditador.
Tido pelo pelos germânicos como « o Amigo da Cultura Alemã » receberá as mais elevadas distinções e condecorações atribuídas a cidadãos estrangeiros. Assim será nomeado senador honorário da Universidade de Colónia e sócio honorário da Academia Alemã de Munique e receberá a Medalha de Goethe de Mérito Científico e Artístico e Artístico, a Medalha de Ouro de Leibniz da Academia das Ciências da Prússia e a Placa de Honra da Cruz Vermelha Alemão. Mas a maior das distinções será a concessão da Grã Cruz da Ordem da Águia Alemã, aposta pelo próprio Adolfo Hitler e destinada a premiar os excepcionais serviços prestados ao III Reich por cidadãos amigos de outros países (19).
Em 1942 foi nomeado Presidente do Instituto de Alta Cultura, designação que passara a ter a J.E.N., por ele criada como atrás se referiu. Celestino Costa, o médico de Coimbra que era titular do cargo desde a sua reconversão, proferiu publicamente algumas palavras que desagradaram a Salazar que o exonerou designando Gustavo Cordeiro Ramos para o lugar. A intelectualidade coimbrã não aceitou de bom grado esta decisão e escreveu ao homem de Santa Comba Dão a pedir que reconsiderasse pois ele era «germanófilo, hitlerófilo e fama de homossexual pelo que a sua nomeação causara uma péssima impressão na comunidade científica» (20).
Mas Salazar não ligou à missiva. E em retaliação contra Celestino Costa, encarregou o Ministro da Educação, Mário de Figueiredo, de o demitir de director da Faculdade de Medicina de Lisboa.
12. A queda no ostracismo
O Instituto de Alta Cultura começou a partir daí a perder influência, declínio que a vitória dos Aliados no conflito mundial e a derrocada do Reich veio a acentuar. Assistiu amargurado à queda da Alemanha, à quase destruição de Berlim e à sua divisão pelas forças aliadas enquanto a sua amada Lepsig, igualmente esburacada por bombardeamentos sucessivos, era incorporada na República Democrática da Alemanha de dominação comunista. Arrepiou-se com os suicídios de Hitler e do seu particular amigo Goebbels. E seguiu com angústia o julgamento de Nuremberga, onde alguns dos seus conhecidos vieram a ser condenados à morte por enforcamento
Para se recompor veio passar uma temporada larga à casa de família que manteve em Évora, situada na Rua do Conde da Serra da Tourega. Apesar de ter caído em desgraça o ditador manteve-o contra tudo e contra todos na direcção do Instituto de Alta Cultura até 1962. Na Câmara Corporativa permaneceu até 1958. Por essa altura já estava bem avançado na idade anos e não passava de uma figura decorativa, embora fosse mau adereço, do regime, que começava a abrir brechas por todos os lados.
A evolução do salazarismo fê-lo cair no esquecimento. Tinha muito quem politicamente o detestasse. Como pessoa igualmente. Quando saía, já sem protecção policial, ouvia nas suas costas, os piores insultos. Conhecidos de outros tempos ignoravam-no, desprezavam-no e nem queriam sequer ouvir falar dele. A verdade porém é que a reforma educativa que empreendeu primeiro e que depois fomentou e alargou, embora fora do Ministério, manteve-se praticamente inalterada até 1973, quando já no consulado de Marcelo Caetano, o ministro Veiga Simão a varreu do panorama educativo português
Gustavo Cordeiro Ramos morreu em Lisboa a 13 de Novembro do ano seguinte com a proveta idade de 86 anos e meio mas ainda com a lucidez suficiente para se aperceber que o regime autoritário, repressivo e nacionalista que ajudara a fundar ruíra de podre. A seu pedido foi sepultado em Évora junto das campas dos pais e irmãos. Solteiro e sem descendentes foram a irmã e uma sobrinha que mandaram inscrever na respectiva pedra tumular a extensa lista de distinções e condecorações com que o governo do III Reich o agraciara e que agora com a passagem do tempo começam a tornar-se menos perceptíveis embora ainda legíveis. A sua derradeira morada é fácil de localizar.Fica num quarteirão na ala direita do cemitério, mesmo ao lado do artístico mausoléu onde jaz o desafortunado António Borges Barreto, o piloto eborense da Ferrari falecido prematuramente em 1957, em França, vítima de um acidente ocorrido num treino quando preparava a sua estreia em grandes prémios de fórmula 1.
Em testamento Gustavo deixou um legado de 150.000 escudos à Universidade Técnica que esta por determinação do Ministro Valente de Oliveira, decidiu em 1979, converter em certificado de renda perpétua. Com o rendimento daí adveniente foi criado um prémio com o seu nome que é atribuído anualmente ao melhor aluno daquela instituição (21).
*Jornalista
Notas
1 Biografia Parlamentar e Geneall.net- Portal de Genealogia.
2 David, Celestino in “Reitores, Professores e Alunos do Liceu de Évora” (1841-1941) em “O Corvo” Número especial do 1º. Centenário do Liceu de Évora. Queirós Veloso foi, antes disso, em Évora, Director da Escola de Habilitação para o Magistério Primário e Director da Biblioteca Pública. Ver também Espanca, Túlio in “ Subsídios para a História da Biblioteca de Évora (1804-1950), “A Cidade de Évora”, números 63-64, 1980-1981.
3 Quintas, José Manuel, “ Os Filhos de Ramires – As origens do Integralismo Lusitano”, Editorial Nova Ática, Lisboa. 2004.
4 Biografia Parlamentar
5 História da Faculdade de Letras de Lisboa.
6 Rosas, Fernando, Nova História de Portugal, Vol.XII, “Portugal e o Estado Novo (1930-1960) “, Editorial Presença, Lisboa, 1992.
7 Ramos, Gustavo Cordeiro, “Objectivos da Criação da Junta da Educação Nacional-Alguns aspectos do seu Labor”, Lisboa, 1951.
8 Carvalho, Ana Maria Marques Carvalho, “O ensino do Alemão nos Liceus Portugueses entre 1926 e 1949”, Tese de Mestrado, Universidade de Aveiro, Departamento de Línguas e Cultura, 2013.
9 Gromicho, António Bartolomeu in “Cem anos de vida do Liceu” (1841-1941), idem 2.
10 A Revista “Águia” foi uma publicação bimensal e depois mensal, de literatura, filosofia e crítica social que foi editada entre 1910 e 1932 pelo movimento nacionalista Renascença Portuguesa.
11 Decreto 21.000 emanado do Ministério da Instrução Pública e publicado em Diário do Governo de 16/4/1932.
12 Dacosta, Fernando, “Máscaras de Salazar”, 2ª. Edição, Casa de Letras, Lisboa 2007.
13 Almeida, São José, “Homossexuais no Estado Novo”, Editorial Sextante, 2010.
14 Rosas, Fernando, “As I eleições sobre o Estado Novo-As eleições de Dezembro de 1974, Edições O Jornal, Lisboa, 1985.
15 Lei de Bases do Sistema Educativo
16 Artº. 9º. da citada Lei. Para contrair matrimónio com uma professora do ensino primário o pretendente deveria ter bom comportamento moral e civil e possuir vencimento ou rendimentos, documentalmente comprovados, em harmonia com os vencimentos da professora.
17 “Uma série de conferências” , Colectânea editada pela União Nacional, 1937.
18 Ver “O devir de um Novo Estado-Discursos e Documentos” editado na Alemanha pela Essener Velgastat. Cf. Medina. João, “Salazar na Alemanha : acerca da edição de uma antologia salazarista na Alemanha” in “Análise Social “ nº.145, 1998.
19 A ordem de Mérito da Águia Alemã foi criada em 1937 por Adolf Hitler e destinava-se a galardoar cidadãos estrangeiros que contribuíssem para a divulgação e apoio incondicional à Alemanha nazi. A Grã-Cruz era o seu grau mais elevado e embora não se sabia o número de pessoas que com ela foram contemplados, estima-se que não tenha ultrapassado uma vintena.
20 Rezende, Jorge “ Sobre as perseguições a cientistas durante o fascismo” , Revista Vértice, nº.166, Lisboa , 2012.
21 Portaria publicada em Diário da República 193/79, I série.